«Os deuses devem estar loucos», escrito e dirigido pelo realizador sul-africano Jamie Uys, encheu salas de cinema e pôs em evidência, num registo cómico, as dificuldades de comunicação, o choque de culturas e os obstáculos que se levantam quando os indivíduos são postos perante costumes que lhes são alheios.
Em 1980, Jamie Uys (falecido em 1996) escolheu uma tribo nómada do Kalahari, que se organiza em pequenos grupos e que vive isolada das restantes culturas do deserto para melhor tirar partido do seu argumento.
Mas, hoje, não seria necessário centrar a acção em África para dar substância ao título «Os Deuses devem estar loucos», que teve uma sequela, em 1989, também realizada por Uys, novamente numa co-produção entre o Botswana, África do Sul e os Estados Unidos da América.
De norte a sul do planeta há acontecimentos diários que nos fazem questionar a sanidade humana ou então que nos fazem interpelar ao divino.
Que o digam os passageiros do metro de Monterrey, no México, que, numa simples viagem, tiveram direito a assistir ao show de uma bailarina de table dance, que não se inibiu de mostrar os seus dotes, nem perante a presença de menores e das mães.
Luna Bella chegou à lotada carruagem de metro com passo ligeiro e ar descontraído; pediu a um jovem que lhe cedesse o lugar, sentou-se e pousou o saco, empurrando-o para debaixo do assento.
“Atenção passageiros, vou gravar umas imagens para um vídeo musical, não se assustem e tapem os olhos às crianças”, advertiu a jovem, antes de despir as calças e a camisola, ficando apenas com uma minúscula calcinha. De seguida, passeou-se pelas carruagens, exibiu-se agarrada aos varões da composição, sentou-se ao colo de alguns passageiros e esfregou-se noutros, enquanto as reacções iam mudando, entre os risos nervosos, mas contentes, de uns; o desconforto delas e a aparente indiferença dos que se apeavam.
Houve quem aproveitasse para sacar imagens com os telemóveis. Algumas foram parar à internet, o que fez disparar o número de fãs da página de Luna Bella, no Facebook.
Se a acção da jovem stripper era uma estratégia de marketing não se sabe, mas que resultou, lá isso resultou. O mesmo não se pode dizer da iniciativa do «New York Post», um dos jornais do império mediático do australiano Rupert Murdoch.
O fotógrafo Umar Abbasi captou a imagem de um imigrante coreano, de 58 anos, que foi empurrado para a linha do metro, poucos segundos antes de ser colhido pelo comboio, e a foto acabou por fazer a capa do jornal nova-iorquino, com o título «Doomed» (em português, condenado).
A fotografia, que rasga toda a primeira página e onde se vê Ki Suk Han a tentar voltar à plataforma, ao mesmo tempo que olha aterrado para o comboio a vir na sua direcção, fica completa com o subtítulo «Empurrado para a linha do metro, este homem está à beira de morrer».
Abjecto é o
mínimo que se pode dizer do gesto do fotógrafo freelancer; injustificável é a
iniciativa do «New York Post», apesar de os títulos de Murdoch já nos terem
habituado a um ambiente de submundo, numa sucessão de atropelos à ética e às
mais elementares leis. Atropelos que levaram, no ano passado, ao maior
escândalo mediático no Reino Unido, que redundou no encerramento do semanário
«News of The World», à detenção de uma série de responsáveis da publicação e
que levaram o parlamento a exigir a revisão da legislação que rege a
comunicação social.
Neste caso,
há apenas um detido: o homem que empurrou o imigrante coreano, um sem-abrigo,
de 30 anos, que estava a causar distúrbios no metropolitano e a quem Ki Suk Han
se dirigiu numa tentativa de o acalmar. Por responsabilizar ficaram o
fotógrafo, que está a ser fustigado por uma chuva de insultos por se aproveitar
da desgraça alheia, optando por fotografar em vez de ajudar a vítima, e o
jornal por dar cobertura a mercenários da imprensa.
É que, como
afirmou David Carr, colunista do «New York Times», a “capa do Post simboliza
tudo o que as pessoas odeiam e suspeitam sobre o negócio dos media: não apenas
que os jornalistas são espectadores, eunucos morais e éticos, que não
intercedem diante do perigo ou da maldade, mas que torcem secretamente para que
o pior aconteça”.De Murdoch vem o silêncio, interrompido apenas pelo comentário de que não discute questões éticas, esquecendo-se que no dia em que os jornalistas enterrarem a ética morrem também.
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