sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O feitiço de Ângela Ferrão



Finalmente encontrei um vídeo de Ângela Ferrão, no youtube, que possa partilhar.
Ouvi-a na rádio, há tempos, mas não consegui encontrar nenhum registo gravado. As poucas discotecas de Luanda restringem-se aos nomes mais comerciais e os vendedores de cd's piratas, que proliferam pelas ruas da capital, vendem o que está "a bater" no momento.
É pena, porque a música genuinamente angolana vai-se perdendo na máquina trituradora do gosto massificado.
Adiante.
«Wanga» (feitiço) é uma mostra desta cantora, natural de Amboim, município da Gabela, mas que cresceu no Wako Kungo, província do Kwanza-Sul.
Ângela Ferrão seguiu as pisadas do pai, Lito Ferrão, um exímio guitarrista e compositor, que deu nas vistas na década de 80 no Festival da Canção Política e que se mantém como um das referências musicais daquela província.
Depois de participar em vários festivais de música em Luanda, que lhe deram visibilidade, a cantora, nascida em 1976, lançou o disco "Wanga" (feitiço em kimbundu), de onde foi extraído este vídeo, e prepara o segundo trabalho que aguardo com expectativa, porque, para além da voz, Ângela mantém-se fiel às suas raízes. E às tradições culturais de Angola.
A sua música é um (bom) feitiço.

Amílcar Cabral para os mais novos

O Teatromosca estreia amanhã, em Sintra, Portugal, uma peça de Miguel Horta, encenada por Suzana Barros, sobre o independentista Amílcar Cabral.
“A tarde vai caindo melancólica como sucede em África. O kora de mestre Galissa vai dando a atmosfera em cena, com as suas toadas e cantos ancestrais da tradição Mandinga.”

A fábula da capoeira (crónica publicada no Novo Jornal)

Uma capoeira, com centenas de galinhas e alguns galos, possantes, altivos.
Um incêndio no celeiro. Do fogo salva-se uma parcela de comida. Escassa para tantas cabeças.
Os galos, em reunião restrita, decidem que algumas das aves têm de ser enxotadas da capoeira, porque a comida não chega para todos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A chuva



Chove em Luanda.
Com força.
Há dois dias que o céu está carregado.
Cinzento. Escuro.
Hoje chove. Com intensidade.
A chuva varre as ruas.
Empurra o entulho.
Desanuvia a atmosfera.
Desasossega quem vive na periferia.
As ruas lamacentas transformam-se em leitos.
Os rios improvisados desaguam nas casas.
Entram por elas; estragam os haveres de quem lá vive.
Instala-se o caos e a destruição nos musseques.
As casas encavalitadas nas encostas cedem.
Os morros estremecem.
Chove em Luanda.
E quando chove há um misto de alegria e dor.
A água que gera vida, também destrói. E mata.
De noite mal se dorme.
É preciso estar alerta.
A chuva traz, mas também leva.
Chove em Luanda.
O céu está mais claro.
A terra mais escura para lá do asfalto.

Mais um jornalista atacado (2)

António Manuel «Jojó» já está em casa a recuperar da agressão de que foi vítima, na quinta-feira.
O autor de «Njando», programa de grande audiência da rádio Despertar, onde o jornalista, com o recurso ao humor e à sátira, vai criticando o que o rodeia, está bem e no sábado, via telefone, falou para os seus ouvintes.
Ao contrário do que chegou a ser veiculado, «Jojó» não foi baleado. Também não saía de casa, mas de um espaço de convívio que frequenta habitualmente.
As informações que foram sendo conhecidas após as primeiras horas eram contraditórias e foi o próprio jornalista que, aos microfones da Despertar, relatou dois dias depois os acontecimentos.
O ataque aconteceu cerca das 23h00 de quinta-feira, quando foi abordado por quatro indivíduos que se apresentaram como fãs do seu programa. Um deles abraçou-o e os outros três deram-lhe apertos de mão.
Quando entrou no carro, «Jojó» sentiu que as calças estavam molhadas, apercebendo-se então que tinha sido ferido no abdómen com um objecto cortante que, segundo ele, deverá ter sido um bisturi ou uma lâmina.
Em directo no horário do seu programa, emitido aos sábados das 09h00 às 11h00, o jovem jornalista preferiu não ver a agressão como um acto político, apesar de não perceber a atitude dos indivíduos que o atacaram. Mas deixou claro que não ia desencorajá-lo e que continuará a apresentar «Njando», nome de uma dança tradicional de Benguela, em Umbundo.
Como sinal, pediu ao realizador da rádio Despertar para repor o programa do sábado anterior.
A sua voz voltou a ouvir-se em diferido, até que regresse em directo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mais um jornalista atacado



António Manuel «Jojó» está entre a vida e a morte.
O jornalista da Rádio Despertar, autor de um programa de intervenção social muito crítico do actual «status quo», foi baleado ontem quando saía de casa para ir trabalhar.
O colega da mesma estação radiofónica ligada à UNITA, Alberto Chakusanga, foi morto no dia 5 de Setembro em sua casa, por dois homens que baterem à porta e dispararam vários tiros na sua direcção.
Desta vez esperaram que o alvo saísse de casa. E balearam-no. «Jojó» trava a luta da sua vida, numa clínica de Luanda: resistir à morte.
A sua voz nunca se calou, nem mesmo perante as ameaças. “Estou preparado para morrer”, dizia aos colegas que o recordam neste dia.
Ninguém está preparado para morrer, mas há quem esteja disposto a pagar o preço mais alto pela liberdade de informar e dizer o que pensa.
«Jojó» é o terceiro jornalista angolano a ser baleado no espaço de dois meses. Alberto Chakusanga morreu; um jornalista da TV Zimbo, baleado numa perna, está em risco de não voltar a andar. Outros dois viram as suas casas assaltadas, de um dos assaltos levaram só o computador pessoal.
A associação Repórteres sem Fronteiras divulgou um número de alerta para onde devem ligar os jornalistas que se sentem ameaçados. Esta semana a associação, com sede em Paris, difundiu um relatório onde conclui que Angola é o país lusófono mais perigoso para o exercício do jornalismo, figurando em 104º lugar a nível internacional.
No meio disto tudo onde pára o Sindicato dos Jornalistas angolanos?
É que ainda não se ouviu a sua voz.
E devia.

E agora? (crónica publicada no Novo Jornal)

“A medicina ainda tem limites”. Com esta frase crua o cirurgião pediatra Gentil Martins matou a esperança de salvar os bebés siameses que partiram na passada semana para Portugal em busca de vida.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Isso é Kuduro


Genuinamente nacional, o Kuduro conquistou os jovens e invadiu o espaço musical angolano.
Lá fora, acumula prémios. Nas televisões brasileiras já há concursos de kuduro (dança), mas há que convir que ninguém faz aquele jogo de pernas como os angolanos... a não ser este pequeno bailarino chinês.

O valor da vida humana (crónica publicada no Novo Jornal)

No ano do seu bicentenário, o Chile viveu o céu e o inferno.
Foi abanado por um terramoto devastador; assistiu a um tsunami destruidor; testemunhou um desabamento que enclausurou 33 homens dentro de uma mina; e acompanhou o resgate das entranhas da terra dos 33 mineiros que simbolizam a coesão nacional e que representam o resgate de valores, como a segurança e o respeito pela vida humana.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Exemplar

A polícia angolana tem má imagem, muito por causa da «gasosa», como é conhecido na gíria o suborno, mas há quem fuja ao retrato.
Um casal que vive em Luanda, no regresso sofrido de uma ida à clínica com uma filha menor, pisou um traço contínuo numa manobra proibida e, ups, um agente do Trânsito, que testemunhou a transgressão, mandou parar o veículo.
"Pronto, lá vamos ter de largar a nota", pensou a mulher, enquanto a filha ao seu lado gemia de dor.
O agente pediu os documentos ao condutor; observou-os atenta e educadamente e interpelou: "O senhor viu que pisou um traço contínuo?"
"Vi", respondeu o homem, explicando, sem subterfúgios, que vinha da clínica (a 300 metros) com a filha que estava doente, que a sua casa era naquela direcção e, como já perdera muito tempo, para não atrasar mais a chegada ao emprego, arriscara a manobra.
O jovem polícia ouviu o relato sem pestanejar, manifestou compreensão com o momento vivido pelo casal, mandou guardar os documentos, deu ordens para seguirem viagem, advertindo que não voltasse a repetir a transgressão, e desejou um bom resto de dia.
Uma atitude exemplar, que prova que nem todos os agentes andam atrás da «gasosa», e que aconselha prudência na generalização.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Pelos direitos humanos

Mulher de Xiaobo, a poetisa Liu Xia, sobre uma foto do marido

A atribuição do prémio Nobel da Paz a Liu Xiaobo é uma decisão justíssima e de grande coragem do Comité Nobel.
O activista chinês foi escolhido pela sua longa e não violenta luta pelos direitos fundamentais na China, que já o levou, por várias vezes, à prisão, onde se encontra actualmente.
O comité Nobel não cedeu às pressões da China que, através de um responsável político, advertiu para as consequências que uma decisão destas acarretaria em termos de diplomacia.
O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês chegou mesmo a ameaçar, em Setembro, que os negócios noruegueses na China ficariam em risco, numa referência explícita à Statoil, um dos gigantes do petróleo, se o Nobel da Paz fosse atribuído a Liu Xiaobo.
Com a escolha do activista, o Comité Nobel mostra que há interesses mais elevados do que o negócio e que não há lugar no mundo para mordaças, seja em que hemisfério for.

Ar, apenas (crónica publicada no Novo Jornal)

O Prémio Camões de 2010, o poeta brasileiro Ferreira Gullar, não gosta de Lula da Silva. Diz que o actual Presidente do Brasil é uma figura “inacreditável”, que “não entende nada, é inteligente e esperto” e “só pensa em votos e popularidade” não indo “a fundo nas questões do país”.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

De dedo em riste (crónica publicada no Novo Jornal)

Ora ai está um exemplo que eu gostaria de ver reproduzido.
O Parlamento islandês anunciou que vai processar o ex-primeiro-ministro Geir Haarde, que governava o país na altura em que o sistema financeiro colapsou e a Islândia esteve à beira da bancarrota, por “negligência”.