“A medicina ainda tem limites”. Com esta frase crua o cirurgião pediatra Gentil Martins matou a esperança de salvar os bebés siameses que partiram na passada semana para Portugal em busca de vida.
Luís e Bernardo nasceram ligados, a 15 de Agosto, mas não estavam unidos apenas pela região abdominal. Partilhavam o coração e fígado, o que inviabilizou a operação. “Se fosse só o fígado e os intestinos, não haveria problema, porque já foi feita a separação nestas condições e os bebés sobreviveram”, mas “não se pode separar um coração”, explicou o médico português Gentil Martins ao Correio da Manhã. O cirurgião já separou sete pares de siameses. O último foi em 1999. Dois irmãos moçambicanos unidos pela região pélvica e abdominal e com um só pénis que foram operados com sucesso.
Esta não foi a primeira vez que Gentil Martins observou gémeos ligados pelo coração. Já passaram por si três duplas de siameses com um mesmo órgão vital. “Nesses casos, infelizmente, não há nada a fazer. A medicina tem limites”.
O diagnóstico apontou para a morte, no espaço de meses. O prazo foi encurtado drasticamente. Os bebés não resistiram ao voo de regresso. Morreram pouco tempo depois da partida, enquanto em Angola se discutiam responsabilidades.
Os médicos apontaram a conduta negligente dos profissionais que avaliaram os siameses. Clínicas privadas clamaram que tinham capacidade para esclarecer se os bebés estavam ligados pelo coração. E todas agora se erguem para apontar o dedo acusador.
Onde estiveram este tempo todo?
Para quê transformar o infortúnio de Luís e Bernardo num caso nacional quando há tantas crianças que ainda estão vivas e podem ser salvas?
Onde estão os médicos e a ordem que os representa que ainda não reagiram ao caso de António Manuel Brito José? O bebé, de oito meses, tem uma má formação congénita na face, que o impede de respirar normalmente e alimentar-se. E, segundo o «Semanário Factual», que cita a mãe do menino, os clínicos do Hospital Josina Machel mandaram-nos para casa porque o problema é insolúvel.
A criança tem um buraco na cara, que inviabiliza o seu futuro se não for feita uma reconstrução facial. A operação é possível, como foi a de José Mestre. O “homem sem rosto” do Rossio de Lisboa, Portugal, que foi operado com êxito nos Estados Unidos. Após anos a viver com o rosto deformado, os médicos retiraram da sua cara cinco quilos de tumor facial. A notícia da operação foi dada na segunda-feira, pela cadeia de televisão norte-americana ABC, que testemunhou a saída de José Mestre do Hospital de St. Joseph, em Chicago, onde foi submetido a quatro cirurgias, duas para remoção do tumor, que lhe cobria o rosto e outras duas para reconstituição do rosto.
O caso do português, hoje com 53 anos, despertou a atenção mundial, em 2008, quando o canal Discovery começou a produzir o documentário «O meu nome é José». Durante mais de duas décadas, os lisboetas olharam de soslaio para aquele homem sem rosto. Uns ignoraram-no por receio ou incapacidade de lidar com a deformação, outros troçaram da sua condição. O Discovery deteve-se nele e predispôs-se a contar a sua história no programa «My shocking Story». Mas o canal televisivo não se ficou por aqui. Propôs-se ajudar José, que aos 14 e 18 anos foi submetido a cirurgias para tentar conter a progressão da doença, sem resultados positivos.
Uma equipa de cirurgiões norte-americanos do St. Bartholomeu Hospital aceitou tratá-lo. Praticamente cego e vergado pelo peso do angioma, José disse sim às intervenções (financiadas pelo Serviço Nacional de Saúde português), rumou para os Estados Unidos, foi operado e já tem rosto. Um rosto ainda desfigurado - o seu caso foi classificado pelos médicos americanos como “altamente invulgar e complexo” - mas com um formato normal e não mais uma massa disforme de carne que lhe pendia da face coberta e invisível.
O drama de Luís e Bernardo terminou pior e mais cedo do que o esperado. Os médicos do Hospital Pediátrico de Luanda fizeram o que puderam. É hora de aprender com a lição – a simples existência de aparelhos para a realização de ecografias nos postos médicos do interior evitaria situações destas – e olhar para a frente. Para as inúmeras crianças que ainda podem ser salvas. Como António Manuel que só espera uma oportunidade para viver. Com dignidade. Aos bebés siameses ela foi dada. Só que não teve o desfecho desejado.
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