Ora ai está um exemplo que eu gostaria de ver reproduzido.
O Parlamento islandês anunciou que vai processar o ex-primeiro-ministro Geir Haarde, que governava o país na altura em que o sistema financeiro colapsou e a Islândia esteve à beira da bancarrota, por “negligência”.
A intenção é séria e meticulosa, apesar de ter sido aprovada por uma escassa margem de votos – 33 a favor e 30 contra.
A tarefa de julgar o ex-primeiro-ministro caberá ao Tribunal Superior de Justiça, criado especificamente para o efeito.
Sobre Geir Haarde recai a acusação de ter sido o culpado por não agir a tempo de travar a crise. O governo acabou por se ver obrigado a tomar, à pressa, o controlo dos três maiores bancos do país, quando os sinais há muito davam conta da ruptura iminente.
Muitos islandeses, com a falência do sistema financeiro nacional, perderam o emprego ou as suas poupanças e a fórmula de crescimento do país, muito assente nos mercados financeiros, ficou irremediavelmente comprometida.
A Comissão de Inquérito Especial destinada a investigar o colapso da Islândia, pequeno Estado com 300 mil habitantes, concluiu no Relatório Verdade ter havido enorme negligência por parte dos dirigentes políticos e dos banqueiros nacionais.
Em meados de Setembro, uma comissão parlamentar recomendou que Haarde, juntamente com três dos seus ministros, fosse processado. Mas o Parlamento decidiu responsabilizar apenas o chefe do Executivo que apoiou sempre o impopular governador do Banco Central, David Oddsson, que, na qualidade de primeiro-ministro, foi responsável pela liberalização do sector financeiro nos anos 1990.
A actual primeira-ministra, Johanna Sigurdardottir, que teme certamente as implicações da medida no seu próprio futuro, votou contra a proposta.
O número dois do governo de coligação, o ministro das Finanças Steingrimur Sigfusson votou a favor.
Não deixa de ser curioso que Johanna Sigurdardottir seja social democrata, partido defensor do liberalismo económico, e Steingrimur Sigfusson represente o Partido de Esquerda, os Verdes.
Noutro extremo da Europa, em Portugal, a crise não dá sinais de abrandamento, obrigando o governo do socialista José Sócrates a anunciar, na noite de quarta-feira, um pacote de medidas extraordinárias que têm, segundo vários analistas, um efeito idêntico à entrada do FMI no país.
Para além de congelar investimentos públicos até ao final do ano, o governo anunciou o aumento do IVA, cortes nos salários da Função Pública e novos impostos sobre as instituições financeiras, para além de outras.
As medidas foram anunciadas no mesmo dia em que o presidente da Comissão Europeia, o ex-primeiro ministro português Durão Barroso, manifestou inquietação com a situação de Portugal, instando o governo a agir. E em que Bruxelas propôs que os países membros da Zona Euro com desequilíbrios orçamentais importantes passem a depositar dinheiro em depósitos bancários, que só será devolvido se os respectivos Estados corrigirem a situação rapidamente.
A oposição em bloco contestou a “ofensiva brutal” que, alegam, só vai agravar a crise; uma ex-ministra do PS admitiu estar preocupada com a situação do país; os sindicatos ameaçaram com greves; e um batalhão de comentadores distribuiu-se pelas televisões a analisar o momento político e os efeitos na imagem do governo. Pois.
No dia em que Sócrates anunciou o pacote de austeridade, o segundo este ano, um ex-ministro das Finanças, Ernâni Lopes (que governou durante a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (CEE) hoje União Europeia) confessou que “jamais” pensou que o país voltasse a viver uma situação destas.
“Devo dizer que em 1985, quando fechei o programa com o FMI, jamais me passou pela cabeça que voltasse a haver uma situação como a de hoje. Considerei que era um assunto que em Portugal não se repetiria. Quem estava errado era eu”, afirmou o economista com ironia.
Ernâni Lopes considerou que o problema não está relacionada com a taxa de juro, oferta de moeda, nem finanças públicas: “Tem a ver com qualquer coisa mais importante. Os problemas resolvem-se com estudo e trabalho e não com facilitismo e aldrabice”.
Apetece seguir outro exemplo. O de Maurizio Cattelan. O artista plástico italiano instalou, em frente à Bolsa de Valores de Milão, uma escultura de mármore de uma mão decepatada com o dedo médio em riste.
A escultura, que está em exibição até domingo, 3 de Outubro, na capital financeira do país, está a causar a indignação de políticos e intelectuais italianos, mas tendo em conta a situação da economia mundial e as respostas políticas que lhe têm sido dadas é ajustada.
E oportuna.
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