quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

No creo... pero (crónica publicada no Novo Jornal)

O mundo viveu esta semana um acontecimento que só se repete daqui a 89 anos. Na quarta-feira atingiu-se a última data do século com três números iguais (dia, mês e ano), num alinhamento (12-12-12), que só se repete no dia 1 de Janeiro de 2101 (01-01-01). A nove dias do fim do ciclo profetizado pelo calendário Maia, que começou há 5.125 anos e que termina a 21 de Dezembro, este alinhamento provocou calafrios nos mais catastrofistas. A aproximação à Terra do asteroide Tutatis, na quarta-feira, acentuou os temores dos que alinham pelo presságio. Mas não houve registo de acidentes. O Tutatis, que visita a Terra de quatro em quatro anos, ficou a uma distância maior do, em 2004, quando esteve tão perto que foi possível vê-lo com pequenos telescópicos.


Longe das teorias do fim do mundo está a brincadeira que resultou na morte de uma enfermeira indiana, de 46 anos, que trabalhava no King Edward VII, em Londres, onde foi hospitalizada Kate Middleton, devido a enjoos provocados pela gravidez. Jacintha Saldanha, que deixa dois filhos menores, foi encontrada morta (a autópsia confirmou o suicídio por enforcamento), depois de ter passado a chamada de dois radialistas australianos, que se fizeram passar pela Rainha Isabel II e pelo príncipe Carlos. Os dois animadores mostraram-se “devastados” pela morte, gerada por uma “simples brincadeira”; a rádio perdeu a popularidade e viu os anunciantes fugir. Como nota de rodapé, resta dizer que há fronteiras que os media não devem transpor. E a rádio 2Day FM já a tinha ultrapassado em 2009, quando pôs uma adolescente de 14 anos ligada a um detector de mentiras a admitir que tinha sido violada aos 12 anos.

Pela Ásia o 12-12-12 foi visto como um sinal de sorte. Milhares de casais aproveitaram para celebrar a sua união, mas os números ficaram aquém do que aconteceu em 11-11-11. No ano passado, os casamentos em Hong-Kong dispararam e na Indonésia muitas mulheres deram à luz prematuramente, por cesariana, para dar sorte aos seus bebés. Já em Nova Iorque, o 12-12-12 foi aproveitada para ajudar as vítimas do furacão Sandy, com um concerto de beneficência transmitido em todos os continentes.

De solidariedade é o que precisa um idoso de Espanha, que procura uma família que o acolha. Faustino García Léon, que vive em Requena, Valência, oferece a sua reforma de 600 euros (784 dólares) a quem o acolha. O homem colocou anúncios em lojas e bares do seu bairro e já recebeu milhares de chamadas. Mas nenhuma oferta o convenceu. Faustino, de 80 anos, tem as suas exigências: “Tenho de gostar da casa, senão prefiro ficar sozinho”. Com Espanha em plena crise, o idoso quer solidariedade, mas com comodidades.

Na próxima sexta-feira, as profecias dos maias atingem o seu zénite. Com a aproximação do 21 de Dezembro, os sobrevivencialistas redobraram os cuidados e, de norte a sul do planeta, há actividades para os que queiram celebrar a data, particularmente festejada nos países relacionados com a cultura maia, como o México, Guatemala, Belize, Honduras e El Salvador. Em sentido inverso, na China e na Rússia o que domina é o temor, com a previsão a causar impacto e, em França, as autoridades anunciaram o corte dos acessos a um pico montanhoso, nos Pirenéus, considerado um refúgio para quem acredita no apocalipse, porque se adivinhava uma corrida ao local.

Centenas de sapatos vermelhos encheram esta semana a praça municipal da Ciudad Juárez, no México, para evocar o crescente desaparecimento de mulheres na cidade, localizada na fronteira com os EUA. A iniciativa do artista mexicano Elina Chauvet e do jornalista espanhol Javier Juarez contou com a cooperação de várias organizações de familiares de desaparecidas. Segundo as ONG locais, desde a década de 1990, 400 mulheres foram assassinadas, 120 foram dadas como desaparecidas e a maioria dos casos está por resolver. O problema agudizou-se, em 2009, quando alguns cartéis se mudaram para Juarez, perante a cúmplice indiferença das autoridades.

O frenesim gerado com a profecia Maia levou a NASA a desmentir oficialmente o fim do mundo, em qualquer data que seja, e a abrir uma página na internet de perguntas e respostas para os que acreditam que o planeta não vai resistir ao sol infernal, bolas de neve, inundações e supervulcões anunciados pelos crentes no apocalipse. Ainda assim, há quem resista e se mantenha fiel ao adágio espanhol “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”…

Sem comentários:

Enviar um comentário