sexta-feira, 31 de julho de 2015

Carta aberta ao Sedrick de Carvalho (artigo publicado no Novo Jornal*)


Sedrick, desde que foste levado pela polícia e enclausurado entre quatro paredes, não deixo de pensar no que te aconteceu; saíste em reportagem e acabaste preso.
Penso em ti, na angústia da tua família, naqueles que dependem do teu esforço e da tua energia para viver; penso na justiça e na injustiça, duas faces de uma mesma moeda, posta a girar aleatoriamente e sem que até agora se vislumbre algo que a faça pender para o lado certo. Um mecanismo idêntico a um relógio estragado que gira ininterruptamente, ocultando as horas e impedindo que se restabeleça o equilíbrio e a ordem.
Dizem que és um subversivo; que atentaste contra a integridade do Presidente da República e de outros membros dos órgãos de soberania; que fazes parte de um “perigoso” grupo de activistas que quer pôr termo à paz em Angola e substituí-la pela desordem e confusão. Dizem tanta coisa e não há factos que sustentem as acusações, nem razões que fundamentem plano tão maquiavélico.
Criaram um monstro, de 15 cabeças, mas não têm matéria para o manter de pé.
Afinal, por que razão um grupo de jovens instruídos, que prefere concentrar-se em torno de livros, em vez de optar pela marginalidade; que suscita a reflexão em vez de alimentar a agressão; que não ostenta roupas caras, nem exibe sinais exteriores de riqueza, muito menos afronta os que nada têm ou os que vivem com muito pouco, por que razão, dizia eu, quereriam instaurar a desordem no país que é vosso e pelo qual lutam há anos com as melhores ferramentas de que podem dispor: o conhecimento e a palavra?
Alguma vez, quem vos acusa leu o que vocês escrevem e ouviu o que vocês dizem? Se fosse possível um esforço de memória, e caso houvesse inquietação com a procura da verdade, deviam ler as entrevistas que deram, quer como activistas, quer como músicos e perceberiam que não há perversão naquilo que dizem e naquilo que defendem.
Ainda me lembro, em 2008 ou 2009, de ficar impressionada com as entrevistas que alguns rappers angolanos deram ao Mutamba, o suplemento cultural do Novo Jornal. Eram todos jovens, mas com uma maturidade e consciência social e política fora de série. Coartar a possibilidade dessa riqueza imaterial se poder expressar não faz qualquer sentido, desperdiçar esse património, isso, sim, seria crime, com uma moldura penal difícil de fixar.
Sabes, Sedrick, tento colar a acusação que fazem à tua pessoa e não consigo. Dizem que és subversivo, eu não encontro em ti nada que acolha essa acusação, que lhe dê substância. Aprendi, nos anos que levo de profissão, que não há notícias sem factos e aqui, claramente, estamos perante uma não notícia. A tua detenção é uma falsa notícia e tudo aquilo que a sustenta não sai do campo da ficção, da mera opinião, de quem se coloca numa posição tão distante da realidade que já não a consegue ver.
Não estaremos no terreno do delírio ficcional que José Saramago tão bem descreve no “Ensaio sobre a cegueira”? Uma alucinação colectiva que começa com uma patologia de origem desconhecida e que acaba por destruir toda uma sociedade?
Angola não merece fazer parte dessa ficção. Seria bom que o poder político e judicial desfizesse o equívoco e olhasse para o grupo de activistas, do qual dizem que fazes parte, e visse nele o fermento que ajuda a fazer uma sociedade melhor. É isso que tu queres: um país melhor para ti e para os teus. Sei-o e quero partilhá-lo com quem não te conhece.
Abraço amigo,

Isabel Costa Bordalo (jornalista)

*Publicada no dia 31 de Julho de 2015

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