Fotografia: Jornal i
Em 1869, o poeta e crítico Matthew Arnold, um dos intelectuais que lutaram pela democratização do ensino no Reino Unido, lançou um conjunto de ensaios sobre o rumo que a Revolução Industrial e o capitalismo tomou, sublinhando a necessidade de colocar a cultura ao serviço das actividades sociais, como "único meio eficaz de reacção contra o espírito mecânico, materialista e individualista" que prevalecia na época.
Esta fé na maquinaria, que reduziu os homens à condição de instrumentos, constituía, segundo ele, o "maior perigo para a vida cultural britânica, confundindo a grandeza material com a perfeição do espírito, subvertendo, afinal, todos os valores que podem conduzir à perfeição, e impondo a perpetuação de situações de subordinação mecânica aos falsos valores contemporâneos, da riqueza material e de uma pseudo-liberdade individual, que ignora as liberdades sociais"(*).
Tornava-se pois urgente, como defendeu Matthew Arnold no livro Culture and Anarchy, recuperar as potencialidades gregas da "inteligência, do belo, do bom e recuperar assim uma cultura completa, única fonte de autoridade em tempos de dispersão e de mecanização".
Mais de um século depois, estas reflexões mantêm actualidade. E o rumo que a Europa tomou reforça a urgência de olhar para os valores gregos e para o seu resgate como um antídoto para salvar a Europa dela própria.
Como disse hoje a escritora portuguesa Hélia Correia, Prémio Camões 2015, é preciso olhar para o "orgulho grego e o sentido da dignidade humana e da nobreza da democracia" de que deu provas no referendo de domingo como guias.
No dia em que recebeu o Prémio Camões, Hélia Correia fez questão de homenagear a Grécia, vestindo as cores azul e branco, e de agradecer o heroísmo dos gregos que, com o seu sentido de voto, provaram que não estão distantes da Grécia Antiga, a quem a civilização ocidental e a Europa tanto devem.
"Quero dedicar este prémio a uma entidade que é para mim pessoalíssima: à Grécia, cuja voz ainda paira nas nossas mais preciosas palavras, entre as quais, quase intacta, a palavra poesia. À Grécia, sem a qual não teríamos aprendido a beleza, sem a qual não teríamos nada. Viva a Grécia".
Um século e meio separam as palavras de Hélia Correia e as de Matthew Arnold. São elas que ficam na História e determinam o seu curso. E não as de Merkel, Hollande, Passos e, muito menos, as de Cavaco...
(*) As referências a Matthew Arnold são retiradas do manual de Sociedade e Cultura Inglesas, de Luísa Leal de Faria, editado pela Universidade Aberta
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