A comunicação social vive uma crise sem precedentes. Nunca houve tantos títulos, mas nunca houve também tanta falta de liberdade. As redacções são cada vez mais apertadas; o jornalismo de investigação começa a ser um género em extinção; a informação produzida pelas agências de comunicação (propositadamente chamada de conteúdos para que seja feita por profissionais indiferenciados e não jornalistas) ocupa um crescente espaço entre a matéria noticiosa; e a tendência para o minimalismo e afunilamento dos temas gera um efeito perverso: as notícias repetem-se à escala planetária, apenas com nuances nacionais e locais, criando a aparência de credibilidade, quando muitas vezes são informações que servem, e bem, interesses que nada têm a ver com o direito supremo dos leitores à informação.
Vamos a factos.
As notícias recentes, que crescem em grau e intensidade, sobre a crise na Grécia e o seu efeito de contágio são o exemplo mais recente e paradigmático deste quadro.
Nem que vários especialistas venham dizer, como fez terça-feira um dos conselheiros económicos do primeiro ministro francês, Christian De Boissieu, que “Portugal está numa situação diferente da Grécia” porque nunca mentiu sobre as suas contas, não há nada que impeça o ataque das agências de notação, ou rating, ao país.
Terça-feira a Standart & Poor’s, a agência de rating que mais ganhou com a crise do subprime que arrastou para o desespero milhões de pessoas em todo o mundo, baixou a notação da dívida pública portuguesa. E na quarta-feira fez o mesmo com a Espanha, criando pânico nas bolsas dos dois países.
E o que fazem os media? Dão ampla divulgação às especulações, com um ou outro especialista (como o FMI que veio finalmente dizer que “não se devia acreditar demais” no que dizem as agências de notação) a desdramatizar os cenários. Em vão. Por mais que os especialistas digam que nada justifica a descida do rating de Portugal o que fica nos ouvidos são os sound bites produzidos pelos profetas da desgraça.
Faz lembrar o ataque de George Soros à libra esterlina, em 1992. O especulador norte-americano vaticinou a desvalorização da moeda, os mercados apostaram no prognóstico e fizeram disparar as taxas de juro e o governo britânico não teve outra alternativa senão desvalorizar a libra. Soros gerou dois mil milhões de dólares de lucros com este ataque que quase deu cabo da moeda do Reino Unido, encaixou mil milhões e dispersou o restante pelos seus clientes. Nunca foi julgado, nem responsabilizado. Pelo contrário, o ataque deu-lhe notoriedade.
Os jornais publicam sem questionar, sem estudar as implicações da matéria que divulgam e contribuem para a manipulação da opinião pública, devidamente direccionada por quem controla os mecanismos da comunicação e os seus efeitos.
Veja-se o episódio da gripe A H1N1. A gripe espalhou-se pelos quatro continentes à custa do dramatismo noticioso que rendeu à indústria farmacêutica lucros de milhões e milhões… A pandemia desapareceu dos noticiários e o vírus deixou de ser um problema de saúde pública, certificado antes pela OMS.
Outros episódios põem a nu a perda de compostura dos media que, no afã das audiências, deita para as urtigas conceitos em que muitos jornalistas, felizmente, ainda se revêem, como a ética e a deontologia.
Na quarta-feira, o primeiro ministro britânico entrou no carro depois de uma visita nos arredores de Manchester e teceu considerações sobre uma eleitora que o interpelara. Gordon Brown chamou a viúva de “fanática” e “preconceituosa”, depois de esta tecer comentários racistas sobre os imigrantes de leste. O candidato a novo mandato pelos trabalhistas esqueceu-se que tinha o microfone de uma televisão ligado. As televisões e rádios puseram o comentário no ar. E o primeiro-ministro britânico viu-se forçado a pedir desculpas públicas e a justificar-se.
O chefe do governo britânico tem toda a legitimidade, e razão, para dizer o que disse julgando estar em privado. As televisões e rádios não têm legitimidade para divulgar um momento de descompressão privado. Este incidente faz lembrar um outro em que se viu envolvido o Presidente Barack Obama que, no intervalo de uma entrevista ao canal CNBC TV, chamou “parvalhão” a Kanye West por este ter humilhado a cantora Taylor Swift quando ela agradecia um prémio. O canal de televisão pôs o comentário no ar e mais tarde teve de pedir desculpas.
No Dia Mundial da Liberdade de Imprensa é bom lembrar que a liberdade dos media depende da responsabilidade com que exercem a sua acção.
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