Os chefes de Estado e de Governo reunidos em Nova Iorque na Cimeira dos Objectivos do Milénio, que terminou ontem, não têm grandes motivos para sorrir. Apesar dos discursos optimistas do secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, e do anúncio de 40 mil milhões de dólares para melhorar a saúde das mulheres e das crianças, a realidade mostra que pouco se avançou nos oito Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) traçados em 2000, tendo como meta o ano de 2015.
As razões invocadas para o generalizado incumprimento, sobretudo no continente africano, a que se somou nos recentes discursos a crise financeira mundial, servem mais como desculpa do que justificação.
Um dos poucos países que cumpriu as metas propostas – Cabo Verde - prova-o com clareza e mostra como a metodologia utilizada pelas Nações Unidas e pelos países doadores não serve. Está esgotada. E pouco mais faz do que alimentar o ciclo vicioso da dependência e aligeirar a consciência dos que têm o queijo e a faca na mão (leia-se poder) e que, na prática, se limitam a distribuir migalhas.
Não basta acenar metas e distribuir dinheiro. É preciso fazer com que os governos (os que dão e os que recebem) se comprometam e assumam o bem-estar dos cidadãos como compromisso e não se refugiem em argumentos falaciosos para iludir a pouco importância que lhes dão.
Não basta prometer e renovar as promessas, com novos pacotes de ajuda financeira, como os 40 mil milhões, quarta-feira anunciados por Ban Ki-moon, quando as mulheres e crianças em vários países do mundo continuam a ser as vítimas da acção dos respectivos governos. Uns com intenção, outros por omissão. Atente-se às vítimas do Darfur, que continuam a ser protagonistas de uma tragédia perante a indiferença da comunidade internacional; ou as mulheres vítimas de violação na República Democrática do Congo; ou ainda as que são alvo de despersonalização nos países de influência islâmica radical.
Não basta fazer discursos e acenar com intenções se as mulheres, as maiores visadas pelos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, continuam a ser arredadas dos centros de decisão e o pouco protagonismo que o mundo lhes dá continua a ser no papel de vítimas ou, então, em papéis marginais que pouca influência têm no enredo.
Há que escrutinar, interpelar, articular, envolver e exigir resultados. Os discursos de circunstância e os balanços periódicos em reuniões e cimeiras das agências das Nações Unidas pouco mais fazem do que promover viagens de e para Nova Iorque e alimentar discursos e boas intenções.
Como afirmou o Presidente dos Estados Unidos, na quarta-feira, o cumprimento dos ODM é a diferença entre a guerra e a paz e dele depende o bem-estar de todos os países, incluindo os do primeiro mundo. O conflito entre o mundo ocidental e o muçulmano é uma evidência disso.
“O desenvolvimento é crucial para a segurança nacional dos EUA e constitui um imperativo moral e estratégico e económico”, afirmou Obama, assinalando que a Directiva sobre a Política Presidencial para o Desenvolvimento Mundial coloca a ajuda aos países pobres no centro da política externa e de segurança dos EUA.
“Enterremos o velho mito segundo o qual a ajuda ao desenvolvimento não passa de uma acção de caridade que só serve os nossos interesses. E rejeitemos o cinismo segundo o qual certos países estão condenados a uma pobreza perpétua”, exortou
No balanço infeliz destes 10 anos, há excepções.
Cabo Verde provou que, mesmo sem recursos, é possível reduzir a pobreza, a fome, a mortalidade materna e infantil, a doença, a habitação inadequada, a desigualdade de género e a degradação ambiental. E é dos poucos países com o arranque adequado e o balanço necessário para até à maratona de 2015 chegar à meta, como assinalou a coordenadora residente do Sistema das Nações Unidas no arquipélago, Petra Lantz, ao considerar que Cabo Verde é um “case study”.
Se um país pequeno, e aparentemente sem condições por falta de recursos, consegue um desempenho tão positivo nos oito itens da Declaração do Milénio, aprovada há 10 anos e que representa a mais importante iniciativa global de combate à pobreza acordada até hoje pelos líderes mundiais, porque não hão-de conseguir os outros?
Não é preciso grande ciência. Basta ver, fazer replicar o exemplo e acabar com a hipocrisia.
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