sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Culpado, eu? (crónica publicada no Novo Jornal)

Os militares portugueses vão manifestar-se sábado, dia 12, contra as “medidas duríssimas” do Orçamento de Estado para 2012. Em causa estão a mutilação nos ordenados e pensões dos homens das forças armadas e as facadas nos seus subsídios de férias e de Natal, em contraste com o aumento generalizado dos impostos.
As associações sócio-profissionais de militares prometem uma mobilização eficaz, mas há quem destoe na forma de protesto encontrada.
Otelo Saraiva de Carvalho, o homem que dirigiu as operações do 25 de Abril, em 1974, não gosta de “militares fardados a manifestarem-se na rua”, porque os homens que defendem o país “têm um poder e uma força” que não se compadece com manifestações colectivas.
O responsável pelo sector operacional da Comissão Coordenadora do MFA (Movimento das Forças Armadas) preferia que os militares optassem pelo papel que lhes está historicamente atribuído. Ou seja, a fazerem uma “operação militar” e a “derrubar o governo”.
Razões não faltam, segundo Otelo, para um “novo 25 de Abril”. O limite que os militares costumam estabelecer à actuação da classe política está a ser atingido, considera o coronel na reserva que, há seis meses, afirmou à Lusa: “Se adivinhasse que o país ia gerar uma classe política igual à que está no poder, eu não teria assumido a responsabilidade de dar essa alvorada de esperança ao povo”.
É difícil não concordar com Otelo. A classe política está a fazer com que Portugal perca o “compasso da história”. A sua actuação é deprimente, a sua conduta inquietante. Há governantes e ex-governantes em tribunal, enredados em tramas judiciais que envolvem acusações de crimes de corrupção e participação económica em negócios, favorecimento pessoal e de terceiros na gestão de dinheiros públicos e até suspeitas de homicídio, por motivações financeiras. Mas nem todos chegam ao banco dos réus. Há quem se passeie anafadamente impune
É uma verdadeira comédia aquilo a que o país assiste com o processo «Face Oculta», que levou a tribunal 36 pessoas, entre elas dois ex-ministros e vários responsáveis por empresas públicas. A acusação aponta a existência de uma “alegada rede tentacular”, encabeçada por um empresário de sucata, Manuel Godinho, que terá oferecido várias prendas (Mercedes, dinheiro e outros bens) a “troco de favores para fazer negócios de milhões com resíduos ferrosos” que terá lesado o Estado em 5,6 milhões de euros.
Alguns dos arguidos foram afastados dos altos cargos que ocupavam, mas voltaram aos lugares. O ex-ministro José Penedos foi afastado da Presidência da REN (uma das empresas públicas ligadas ao caso e que se queixa de ter sido lesada em 300 mil euros) e, uns meses antes de ser acusado, recebeu, por proposta da Parpública (empresa de capitais públicos), um prémio de 244 mil euros pelo seu desempenho em 2009, ano em que rebentou o escândalo.
O também ex-ministro Armando Vara, uma das faces do processo, foi afastado da administração do BCP, com uma choruda indemnização, e foi “acomodado” na presidência da Camargo Corrêa África, onde tem a seu cargo as actividades da empresa brasileira em Moçambique e Angola.
Vara, que já tinha sido afastado do cargo de ministro da Juventude e Desporto por notícias sobre alegadas irregularidades cometidas por uma fundação que criara um ano antes, quando era secretário de Estado, foi apanhado em escutas que dão conta de pressões que terá exercido para demitir vários responsáveis do sector dos transportes. 
As pressões terão sido exercidas sobre responsáveis que recusavam entrar no esquema para favorecer as empresas do sucateiro.
Para além de negar as pressões, quando foi ouvido esta semana no Tribunal de Aveiro, Vara disse não ter ideia de ter recebido presentes de Natal de Godinho, embora admitisse ter recebido uma caixa de robalos e duas de pão-de-ló do empresário.
Os arguidos do Face Oculta fazem corar de vergonha um país que, na mesma semana, teve conhecimento de um processo interposto por um supermercado da cadeia alemã Lidl contra um sem abrigo do Porto por este ter tentado furtar seis chocolates, no valor de 14 euros e 34 cêntimos.
O Ministério Público deu seguimento à queixa, o homem (que não conseguiu levar os chocolates) foi formalmente acusado do crime de furto simples e o Estado português (a quem cabe suportar as custas do processo) arrisca-se a gastar centenas de euros nesta extravagância judicial.
O sem-abrigo, pela sua condição, está à partida condenado. Os outros hão-de conseguir provar a sua inocência.

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