A viagem, que se prolongou até Setembro de 1961, foi o culminar de um movimento iniciado, em 1955, por Rosa Parks, a jovem afro-americana que recusou sentar-se nos bancos destinados a negros, e que mudou a história da segregação nos EUA.
Apesar da decisão do Supremo, os estados do sul mantiveram a segregação, baseados em leis estaduais. Nas paragens de autocarros, havia salas exclusivamente para brancos e salas exclusivamente para negros. Os que se atrevessem a violar as leis locais tinham como destino o cárcere.
Com John Kennedy na presidência dos EUA, um grupo de activistas, que ficou conhecido como os «Freedom Rides», decidiu embarcar em dois autocarros numa viagem pelo sul, determinados a derrubar as barreiras da segregação e a expor a miséria em que os negros ainda eram submetidos no sul esclavagista.
Os autocarros saíram no dia 4 de Maio de 1961, de Washington D.C., com destino a New Orleans, onde deveriam chegar 10 dias depois, transportando dezenas de negros, e alguns brancos, que sabiam que enfrentavam risco de morte. Muitos fizeram testamentos antes de partir. Estavam conscientes do massacre que se seguiu até ao destino final, onde chegaram só a 30 de Maio, e que provocou a comoção nacional, graças às imagens que foram sendo difundidas pelos jornais e televisões
Os activistas foram espancados, torturados e humilhados ao longo da viagem. Sempre que chegavam a um ponto de paragem, elementos do Ku Klux Klan (KKK) atiravam-se aos Freedom Riders, mas isso não os demoveu. Os feridos, alguns deles hospitalizados, foram sendo substituídos por outras pessoas de várias raças que ocupavam os seus lugares no autocarro.
A viagem seguiu indiferente às multidões que se organizavam para atacar os activistas, com tacos de beisebol, barras de ferro e correntes de mota. Tudo servia como arma de arremesso para um massacre que levou à intervenção do governo federal. A administração Kennedy mandou uma escolta do exército e da Guarda Nacional para ajudar a romper as turbas em fúria.
Na primeira paragem em Atlanta, no terminal de Greyhound, em Montgomery, os membros da KKK atearam fogo aos autocarros e fecharam as portas, gritando “burn, motherfuckers, burn”. A tragédia, testemunhada por pais que levaram os filhos a ver a chacina após a missa de domingo, foi evitada graças à intervenção de um polícia federal que disparou sozinho contra a multidão.
As autoridades locais, desde o delegado e polícias até ao governador, muitos deles membros do KKK, não intervinham imediatamente para permitir que a organização racista efectuasse o massacre.
Neste ponto de paragem, tornaram-se famosas as fotografias dos autocarros a arder enquanto, dispersos pelo chão, dezenas de negros agonizavam. Pela multidão irrompeu uma menina, de 12 anos de idade, espicaçada pelos gritos de “água, água, água”. Sozinha, deu de beber a quem precisava, num acto de heroísmo inconsciente que não foi punido pelo KKK porque se tratava de uma criança que não sabia o que fazia. Se fosse um adulto, teria sido morta, como admitiu esta heroína, num programa de Oprah Winfred comemorativo dos 50 anos das Freedom Rides, realizado este ano. A homenagem a estes heróis ficou completa com um documentário do realizador Stanley Nelson, que reconstitui a viagem, e um livro do historiador Raymond Arsenault.
Antes de chegarem a Jackson, no Mississipi – estado mais segregador dos EUA – uma multidão convocada por Martin Luther King recebeu os viajantes, impedindo um assassinato em massa. Conscientes de que não conseguiriam travar a marcha, as autoridades estaduais encarceraram todos os ocupantes dos autocarros, na prisão estadual. Em vão.
O movimento só parou em Setembro de 1961, quando o congresso aprovou leis que obrigaram ao fim da segregação nas paragens e nos autocarros e comboios interestaduais.
Há 50 anos a Times acompanhou o trilho das Freedom Rides. Este ano a revista norte-americana realça o papel dos manifestantes, distinguindo-os como figura do ano.
No rosto tapado que faz a capa da última Times estão todos aqueles que lutam pela liberdade e pela igualdade de direitos, quer na «Primavera Árabe» quer no movimento Occupy.
Quem mais poderia ter sido figura do ano?
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