segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Síndrome da estupidez (crónica publicada no Novo Jornal)

O mundo financeiro e económico está acometido de uma síndrome estranha para a qual não existe terapêutica suficientemente eficaz. Trata-se da síndrome da estupidez, que começou por ser persistente e acabou por tornar-se crónica.
Não sou eu que o digo, limito-me a enquadrar a patologia. É Michael Lewis que o constata.

O jornalista e escritor norte-americano (formado na Universidade de Princeton e com um mestrado na London School of Business) falou com os investidores que anteciparam e apostaram no colapso do crédito hipotecário de alto risco (subprime) nos Estados Unidos e explica o que levou à crise financeira de 2008 que abalou, e ainda abala, o mundo inteiro.
O resultado desta investigação é o surpreendente «The Big Short», o livro que mostra a alta perigosidade de um jogo, sem regras e que se move pela ambição desmedida, que conhece agora a edição portuguesa com o título «A Queda de Wall Street».
Foi há quatro anos, mas o tema continua actual.
O jogo persiste, apesar de conhecido o alto grau de viciação e os seus efeitos.
O surgimento de uma nova crise profunda é uma questão de tempo, porque, se antes, “os problemas dos bancos passaram a ser os problemas dos governos”, que se chegaram à frente para cobrir os colossais prejuízos que a banca gerou, quando “já tinham, eles próprios, um problema de dívida”. Hoje, “são os governos que estão a ser questionados” porque, para acudirem aos bancos, tiveram de pedir emprestado mais do que deviam.
“O que me surpreendeu mais, o que me chocou mesmo, foi ver as grandes firmas de Wall Street a cometer suicídio. Eram pessoas cujo objectivo era fazer dinheiro, e eram supostamente boas nisso. Mas, ao colocarem-se essas pessoas numa empresa, se os seus incentivos não forem os certos, vão acabar por destruir a empresa”, afirmou Michael Lewis, numa entrevista ao jornal português «Público», a propósito do lançamento do livro em Portugal.
Lewis confessa que nunca pensou “que as grandes firmas de Wall Street viessem a tornar-se estúpidas”. Mas tornaram-se. E criaram um “sistema que conduziu à catástrofe, utilizando os modelos das agências da rating”.
“Foi chocante ver como todas estas pessoas muito inteligentes e que agiam no seu próprio interesse, criaram uma máquina de destruição final”, ironiza.
Que continua activa, acrescento eu.
Michael constata, apesar de tudo, uma diferença entre o antes 2008 e o depois.
Antes, as agências de rating eram pagas pelas pessoas que criavam as obrigações. “Quando o Goldman Sachs criava as obrigações hipotecárias de alto risco, podia ir à Standart & Poor’s e à Moodys, perguntava qual era o rating que lhe davam e, se fosse muito baixo, escolhia a agência que lhe desse o melhor rating. E pagava por isso”.
Hoje, as agências actuam sobre as dívidas públicas dos estados, levando os investidores a comprar credit default swaps (que funcionam como um seguro contra o risco de incumprimento) sobre dívida pública sem a deterem.
O jornalista e escritor norte-americano usa um exemplo simples para explicar este jogo que cria incentivos no sistema para que este falhe. “Se tiver uma casa e houver várias pessoas a comprar seguros contra incêndio nessa casa, é lógico que haverá quem queira que ela arda”.
A conclusão de Michael Lewis é óbvia, mas ainda não foi percepcionada: “Considero chocante que alguém ouça a opinião das agências de rating para o que quer que seja. Elas já provaram que não sabem nada”.
Dois dias depois desta entrevista, ficou a saber-se que o maior banco privado alemão, o Deutsche Bank, vendeu um fundo de seguros de vida que aposta na morte das pessoas, lucrando mais se os segurados morrerem mais cedo.
Com um investimento de 700 milhões de euros, o fundo é garantido sobretudo por pequenos investidores. Muitos deles, quando se aperceberam do tipo de investimento que lhes tinha sido proposto, dirigiram-se ao provedor da associação de bancos, que rejeitou as reclamações. Limitou-se a formular críticas à forma como este fundo foi constituído e funciona, com o argumento de que é difícil conciliar um produto destinado a valorizar economias pessoais com valores, como o do respeito pela vida humana e a dignidade do ser humano.
Este “macabro jogo de contas”, como o definiu um procurador alemão, não traz nada de verdadeiramente novo se tivermos em conta que muitos dos que apostaram as suas poupanças nos produtos que levaram à crise do subprime em 2008 pagaram o investimento com a vida.
Não foi o suficiente para aperfeiçoar uma terapêutica eficaz contra a síndrome da estupidez no mundo financeiro.

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