segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ler a mente (crónica publicada no Novo Jornal)

O super-homem, herói da banda desenhada que vestia a pele do jornalista Clark Kent, tinha uma visão raio-X e telescópica, mas não conseguia ler mentes.
O Surfista Prateado, que compunha o Quarteto Fantástico da Marvel, tinha uma certa habilidade telepática que não lhe permitia, no entanto, ler os pensamentos dos seus adversários.
Esse poder está até agora reservado a Edward Cullen, o vampiro da saga Crepúsculo. A personagem da escritora norte-americana Stephenie Meyer, que é encarnada no cinema pelo actor britânico Robert Pattinson, possui o raro dom de ler mentes, a quilómetros de distância.
A capacidade que muitos ambicionam e que até agora é reservada ao mundo da ficção está perto de ser alcançada.
Um grupo de cientistas norte-americanos conseguiu identificar as palavras que algumas pessoas estavam a pensar através das ondas cerebrais emitidas e, com esse feito, deu um passo importante para a leitura da mente humana.
A equipa de Brian N. Pasley conseguiu decifrar a actividade eléctrica de uma zona do cérebro associada à audição humana e à linguagem. E ao analisar os padrões de actividade desta zona (chamada de circunvolução temporal superior) os investigadores conseguiram reconstruir algumas das palavras que os participantes estavam a ouvir numa conversa normal.
O estudo, desenvolvido pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, foi publicado na revista científica PLoS Biology e abre um caminho tão promissor quanto perigoso.
Mesmo que o objectivo dos cientistas seja ajudar doentes impedidos de comunicar e expressar-se, já estou a ver os serviços secretos de alguns países ou bandos de malfeitores a tentarem perscrutar a mente dos seus alvos.
Apesar de os resultados deste estudo ainda estarem longe de ser postos em prática, convém manter reservados os pensamentos. Não vá o leitor ser confrontado com o que aconteceu a dois turistas britânicos que foram vítimas de uma brincadeira no Twitter.
Ao chegarem ao principal aeroporto de Los Angeles, nos EUA, Leigh Van Bryan e a sua amiga Emily Banting foram detidos, interrogados ao longo de cinco horas e permaneceram durante 12 horas numa cela, ao lado de traficantes de droga mexicanos.
Uma frase inspirada num episódio da série de animação «Family Guy» que Leigh enviou a uma amiga, antes de partir para férias, despertou a atenção do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos que, desde o 11 de Setembro, vasculha com precisão a Web à procura de expressões que possam comprometer a segurança do país.
Para além de ameaçar revolver a campa de uma antiga estrela de Hollywood – “3 weeks today, we’re totally in LA pissing people off on Hollywood Blvd and diggin’Marilyn Monroe up” – o jovem irlandês, de 26 anos, enviou outro tweet que foi interpretado pelos funcionários do Departamento de Estado como uma intenção de destruir a América: “free this week for a quick gossip/prep before I go and destroy America? X”.
À chegada a LA, os dois turistas britânicos ainda explicaram que a palavra inglesa “destroy”, usada naquele contexto, era calão para “festejar” e que “diggin’Marilyn Monroe up” era uma citação da série «Family Guy», curiosamente criada por norte-americanos. Em vão. Os agentes puseram de lado o humor britânico, insistiram na leitura literal das frases e perguntaram a Emily Blanting se ia ficar de vigia enquanto Leigh exumava os restos mortais de Marilyn Monroe. “Quase desatei às gargalhadas”, confidenciou a jovem ao jornal britânico «Daily Mail».
Os dois “perigosos” turistas foram metidos num avião de regresso a Birmingham, em Inglaterra, e Leigth teve de assinar um documento em que assumiu a responsabilidade pela publicação dos dois tweet.
Quem também leva muito a série a actividade no Twitter é o governo da Tailândia, país onde são proibidas quaisquer referências desabonatórias à monarquia, e que, por isso, se congratulou, no dia 30 de Janeiro, com a decisão da rede social de auto-censurar os seus conteúdos e bloquear todas as mensagens que atentem contras as leis do país.
Esta decisão do Twitter não é de estranhar quando se sabe que, um mês antes, a empresa saudita Kingdom Holding, do príncipe Walid Bin Talal, comprou uma participação na rede de microblogging por 300 milhões de dólares.
Não se sabe ao certo qual é a percentagem que a empresa do sobrinho do rei da Arábia Saudita detém no Twitter. É, decerto, expressiva. Mas, sabendo-se que representa um dos regimes mais opressores do mundo, leva a perguntar qual é o futuro desta rede social?
É que ela foi criada para difundir o pensamento, não para o controlar.

Sem comentários:

Enviar um comentário