Uma adolescente nos Estados Unidos tornou-se uma heroína, após ter finalizado em último lugar uma competição do ensino médio.
Meghan Vogel, de 17 anos, foi a primeira a cruzar a meta na corrida de 3.200 metros, que se disputava em Columbus, Ohio, mas ao olhar para trás apercebeu-se que uma das adversárias caíra e estava com dificuldade em finalizar a prova.
Num acto de generosidade ímpar, Meghan voltou para a pista agarrou Arden McMarth, de 16 anos, e levou a rapariga em ombros. Antes de atingir a linha de chegada, Vogel deu um impulso ao corpo da adversária para que esta cruzasse a meta primeiro.
O público que assistia à corrida na West Liberty Salem High School irrompeu em palmas. Por entre gritos e lágrimas, o gesto de Meghan foi ruidosamente aclamado e as imagens da adolescente tornaram-se sensação nas redes sociais.
O gesto de Meghan tem muito mais significado do que aquele que ela lhe atribui – “outros teriam feito o mesmo”, disse - e o que o torna tão especial foi a capacidade que a atleta teve de olhar para trás e ver para além dos seus interesses pessoais.
Para avançar é preciso fazer o que a atleta fez. Alguns países compreenderam isso e conseguiram enfrentar os problemas; outros varrem o lixo para debaixo do tapete e não ajustam contas com o seu passado.
Vem isto a propósito do Chile.
O país de Pablo Neruda não viu responsabilizados os autores dos crimes cometidos pela ditadura militar, que depôs salvador Allende, no golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973, e ainda tem de lidar com afrontas à memória dos que viram desaparecer e morrer familiares e amigos.
Augusto Pinochet, que acumulou fortuna sobre os corpos de milhares pessoas, nunca chegou a ser julgado no seu país, por causa de uma lei da amnistia que a ex-Presidente Michelle Bachelett tentou revogar, e ainda é alvo de homenagens, seis anos após a sua morte.
A Corporación 11 de Septiembre e a Unión de Oficiales en Retiro de la Defensa Nacional (UNOFAR) organizaram um tributo ao ex-ditador, no domingo, 10 de Junho, desencadeando um coro de protestos.
A Associação Agrupación de Familiares de Detenidos Desaparecidos (AFDD) pediu ao Governo que impeça a homenagem e dirigiu um clamor ao Presidente da República, Sebastian Piñera, no sentido de fazer uma “declaração ética e política” que condene o tributo.
A Comissão Parlamentar dos Direitos Humanos e o Instituto Nacional de Direitos Humanos juntaram-se ao clamor.
Muitos ditadores que cometeram crimes contra o seu povo são levados a tribunal. No Chile há uma aparente impunidade. O único que foi levado à justiça, mas por iniciativa de um juiz espanhol, Baltazar Garzón, foi Augusto Pinochet, mas não chegou a ser condenado.
Os executores do regime – militares que fizeram execuções sumárias e juízes que as legalizaram - continuam à solta e andam livremente pelas ruas de Santiago.
“Imagine que caminha por essas ruas e, de repente, à saída do cinema, enquanto espera por uma mesa no restaurante ou quando acorre a um encontro amoroso, encontra-se com o assassino do seu pai, da sua mãe, de uma irmã, do seu filho ou do seu melhor amigo. O que faria se isto acontecesse em Milão, Em Frankfurt, Madrid ou em Paris?”, interrogou o escritor chileno Luís Sepúlveda, numa das crónicas escritas entre a Primavera de 2005 e Dezembro de 2006, quando Pinochet morre, e que foram compiladas em livro.
“Sendo italiano, alemão, espanhol ou francês, dirá que essas infâmias não acontecem no século XXV. Mas no Chile, sim, acontecem em nome de uma «convivência nacional» baseada em algo tão atroz quanto o Silêncio dos Inocentes” e o “Estado redige um indulto, uma amnistia que beneficia os assassinos. Um perdão que justifica tudo o que fizeram. Uma liberdade que não merecem e que vilipendia a própria ideia de liberdade. Um pretenso acto de justiça que prostitui a já de si prostituída justiça chilena”, sublinha o autor de «Encontro de amor num país em guerra».
Ao receber o prémio literário da Agência Francesa de Desenvolvimento, o escritor moçambicano Mia Couto denunciou, esta semana, um alegado silenciamento dos autores do seu país, onde “o lugar que é para o escritor e para a escrita é quase sempre um lugar da indiferença”.
Luís Sepúlveda tem feito da sua escrita um instrumento contra a indiferença pelos crimes cometidos no seu país, mas também ele luta contra o aparente desinteresse dos autores chilenos.
Só isso justifica que, ainda hoje, há quem se erga para homenagear um comprovado “assassino” e “ladrão” do seu povo.
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