segunda-feira, 17 de setembro de 2012

A mentira (crónica publicada no Novo Jornal)

 
 
 
Foto. Reuters


Na manhã do dia 11 de Setembro de 2001, muitos dos que ficaram encurralados nas Torres Gémeas, no World Trade Center de Nova Iorque, ligaram para a família. Alguns não conseguiram falar e a sua voz foi parar a gravadores de mensagens. Uns comunicaram que um avião tinha embatido numa das torres, mas que estavam bem; outros ligaram apenas para dizer “amo-te”; e houve ainda os que testemunharam, em directo, os momentos derradeiros do inferno de chamas.
Os telefonemas das torres, que fazem parte de um dos muitos documentários sobre os atentados de 11 de Setembro de 2001, “foram uma verdade para muitas pessoas”, como refere o familiar de uma das vítimas. Mas ninguém estava preparado para a verdade, para aquela verdade.
Como também não estavam preparados para a verdade todos aqueles que, em 1942, ouviram Jan Karski, um mensageiro da Resistência polaca junto do Governo no exílio, em Londres, depois de ter visitado o gueto de Varsóvia.
“Deixaram que o extermínio dos judeus prosseguisse. Ninguém tentou pará-lo, ninguém quis tentar. Quando transmiti a mensagem do gueto de Varsóvia em Londres e, depois, em Washington, não acreditaram em mim. Ninguém acreditou porque ninguém queria acreditar”, recordou Karski, anos depois, num testemunho reproduzido pelo escritor Yannick Haenel, no livro «O herói que tentou travar o Holocausto».
Também no dia 11 de Setembro de 2001 ninguém queria acreditar no que estava a acontecer, depois de dois aviões terem embatido nas torres gémeas de Nova Iorque. Os serviços secretos norte-americanos já tinham alertado para a possibilidade de ocorrerem ataques contra alvos americanos por fundamentalistas islâmicos, mas os alertas foram minimizados.
A maldade humana foi subestimada, como foi, entre 1932 e 1933, quando três milhões de ucranianos foram mortos por Estaline que queria fazer da Ucrânia o celeiro da União Soviética; ou quando, entre 1975 e 1979, os Khmeres vermelhos derramaram sobre o Cambodja o sangue de um milhão e 700 mil pessoas; ou, quando, entre 1915 e 1917, um milhão e 500 mil arménios foram mortos pelos turcos otomanos, durante a Primeira Guerra Mundial; ou em Abril de 1994, altura em que 700 mil tutsis e 200 mil hútus foram mortos, no Ruanda, por milícias hútus; ou, entre 1939 e 1945, quando 500 mil ciganos, foram mortos pelo regime nazi; ou, em 1992, quando milícias e o exército sérvio iniciaram a matança de 200 mil bósnios até 1995, após a desagregação da antiga Jugoslávia.
Estes foram alguns dos piores crimes contra a Humanidade, numa lista que tem à cabeça o holocausto judeu, com seis milhões de vítimas mortais, só judeus.
Jan Karski era um jovem polaco, casado com uma judia, que escapou várias vezes à morte, após a ocupação da Polónia, e que se juntou à Resistência polaca.
Karski consegue, graças à ajuda de dois homens, introduzir-se clandestinamente no gueto de Varsóvia, onde testemunha o impensável – “Diziam-me que eram seres humanos, mas não pareciam”, referindo-se aos milhares de judeus que eram deixados na inanição, antes de entrarem nos vagões da morte – para depois transmitir aos Aliados o que viu e preveni-los de que os judeus da Europa estavam a ser exterminados.
“Revejo o rosto de todas as pessoas com quem falei, lembro-me perfeitamente do seu embaraço. Foi a partir de 1942. Também terão ficado embaraçados quando os campos de extermínio foram descobertos três anos depois? Não os embaraçava proclamarem-se vencedores, nem fazerem dessa vitória a do «mundo livre». Como é que um mundo que deixou decorrer o extermínio dos judeus pode pretender-se livre? Como pode pretender ter ganho o que quer que seja?”, interrogou-se.
Sem eufemismos, Jan Karski acusa a hipocrisia dos líderes políticos: “Em 1945, não houve vencedores, apenas cúmplices e mentirosos. Quando eu dizia aos ingleses que se exterminavam judeus na Polónia, quando repetia incansavelmente a mesma informação aos americanos, retorquiam-me que era impossível, que ninguém tinha o poder, nem sequer a ideia, de suprimir milhões de pessoas. O próprio Roosevelt espantava-se diante de mim e o seu espanto não passava de uma mentira. Todos sabiam, mas fingiam não saber. Simulavam a ignorância, porque essa ignorância lhes era vantajosa e porque era do seu interesse que nela acreditassem”.
O mundo continua a navegar sob o manto diáfano da ignorância e a consentir crimes contra a Humanidade. Tentar culpar o fanatismo religioso por tudo isto não é apenas ingenuidade. É continuar a trabalhar para a mentira, como fizeram os Aliados na segunda Guerra Mundial.
O filme que ridiculariza Maomé é mais uma acha.

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