A cerimónia de entrega do prémio estava marcada para hoje, sexta-feira, mas acabou por ser anulada, após a autora ter informado a Fundação Casa de Mateus da sua decisão, tomada dias depois de manifestações que juntaram em várias cidades do país mais de um milhão de portugueses.
Maria Teresa Horta disse, em declarações à Agência Lusa, que não ficava bem consigo mesma se fosse receber um prémio literário, que a “honra tanto”, porque é atribuído por poetas, das “mãos de uma pessoa que está empenhada em destruir o país”.
“O primeiro-ministro está determinado a destruir tudo aquilo que conquistámos com o 25 de Abril (de 1974) e as grandes vítimas têm sido até agora os trabalhadores, os assalariados, a juventude que ele manda emigrar calmamente, como se isso fosse natural”, acrescentou a escritora que, nos anos 70 do século XX, juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, teve um papel central na queda da ditadura, dirigida então por Marcelo Caetano, ao publicar «As Novas Cartas Portuguesas».
As autoras, que ficaram conhecidas como «As três Marias», revelaram ao mundo, com a publicação daquela obra literária em 1972, a existência de situações discriminatórias agudas em Portugal relacionadas com a repressão ditatorial, o poder do patriarcado católico e a condição da mulher.
«As Novas Cartas Portuguesas», inspiradas nas famosas «Lettres Portugaises» (obra clássica francesa do século XVII, composta por cinco cartas supostamente escritas por uma freira portuguesa, Mariana Alcoforado, depois de ter sido abandonada pelo seu amante, o cavaleiro francês Noel Bouton), denunciavam ainda as injustiças da guerra colonial e as realidades dos emigrantes, refugiados e exiliados portugueses no mundo.
Hoje não se vive numa ditadura política, nem Maria Teresa Horta está sujeita a um processo judicial, como aconteceu na década de 70 do século passado, altura em que a obra das três Marias foi considerada prejudicial ao regime e proibida pela censura. Mas o quadro económico que o país vive, fruto de uma ditadura económica imposto pelo Governo de Pedro Passos Coelho, em nome da troika, justifica em pleno o gesto da escritora.
Maria Teresa Horta lembra que o “país está a entrar em níveis de pobreza quase idênticos aos das décadas de 1940 e 1950” e não tem dúvidas de que os “grandes executores de tudo isto” são Pedro Passo Coelho e o seu governo.
Basta atender aos indicadores económicos para perceber a indignação da escritora e activista do Movimento Feminista de Portugal, desde que o governo de Passos Coelho, que de social-democrata tem pouco, pôs em prática o plano de austeridade.
No final de Março deste ano, perto de um milhão de desempregados figuravam nas estatísticas do Inquérito da Emprego, fazendo disparar a taxa de desemprego para um máximo histórico de 15%, o que correspondeu à subida trimestral mais acentuada de que há memória.
Isto - noticiaram os jornais económicos - “reflexo da recessão económica provocada pelas medidas de austeridade que estão a ser aplicadas no país, em troca de um resgate de 78 mil milhões de euros”.
Não contente com as medidas impostas em 2011, ano em que os portugueses perderam entre 3 e 10 por cento nos seus ordenados e ficaram sem meio subsídio de Natal, e em 2012, altura em que, aos cortes no ordenado, a equipa de Passos Coelho acrescentou a supressão dos dois subsídios na função pública (o de férias e de Natal), o Governo de coligação PSD/CDS quer impor agora aos portugueses mudanças na Taxa Social Única (TSU), que fazem descer ainda mais os salários dos portugueses e que desencadearam protestos em várias cidades do país, no último sábado.
As mexidas na TSU, com a subida dos descontos dos trabalhadores em sete pontos percentuais e a descida das contribuições das empresas em 5,75 pontos, em vez de permitirem criar mais postos de trabalho vão, segundo um estudo dos investigadores das Universidades do Minho e Coimbra, originar uma quebra no emprego e uma subida do desemprego de longa duração.
Por isso, num dos raros momentos de unanimidade no país, Passos Coelho pôs toda a gente contra o actual governo: patrões, empregados, desempregados e até membros dos dois partidos que sustentam o governo.
Neste lodo lamacento, que permite ao governo manter-se à tona de água, não há como a voz de uma poetisa para sintetizar o que vai na alma dos portugueses.
Sem comentários:
Enviar um comentário