terça-feira, 2 de outubro de 2012

Filmes! (crónica publicada no Novo Jornal)

A sétima arte anda em bolandas no último mês, desde que «A Inocência dos Muçulmanos» começou a circular na internet, desencadeando a ira dos fiéis do profeta Maomé.
Aquele que é, seguramente, um dos piores filmes de que há memória, mas que acabou por ser um dos mais famosos do mundo, está também a provocar danos no seio da indústria cinematográfica.
O Irão, país que conquistou este ano o Óscar para o Melhor Filme Estrangeiro com «Uma Separação», do realizador Asghar Farhadi, não vai concorrer à competição do próximo ano.
O primeiro-ministro iraniano Mohammad Hosseini anunciou que o seu país vai boicotar a edição dos Óscares do próximo ano e apelou a outros Estados que façam o mesmo. A decisão surge em protesto contra o filme que insulta o profeta Maomé e também pelo falhanço da Academia por não ter manifestado a sua opinião oficial contra o filme.
Na calha para concorrer ao prémio pelo Irão, país com forte tradição cinematográfica e com obra de vulto, já estava a comédia dramática «A Cube of Sugar», de Reza Mirkarimi, filme premiado no Festival Mundial de Montreal e que fica, assim, arredado da cerimónia maior da sétima arte.
Não é um enredo, mas tem todos os ingredientes para um bom filme. O ex-chefe da Polícia de Chongping, Wang Lijun, o herói da campanha anti-máfia que em 2009 varreu os criminosos de uma das maiores cidades chinesas, caiu em desgraça e foi condenado a 15 anos de prisão.
A campanha conduzida por Wang Lijun - que desmantelou mais de 500 gangues que, com a cumplicidade de responsáveis locais, controlavam o jogo, tráfico de droga, prostituição e outras actividades ilegais da cidade – transformou em herói, não só, o ex-chefe de Chongping, mas também o líder comunista local, Bo Xilai.
A ascensão meteórica dos dois trouxe-lhes o reconhecimento e a fama. O papel de Wang Lijun no combate ao crime inspirou uma série de televisão e, em 2010, Bo Xilai foi considerado o “homem do ano”, numa sondagem efectuada on line pelo Diário do Povo, órgão central do Partido Comunista Chinês.
Da ascensão à queda foi preciso um ano e a introdução de uma figura feminina no enredo.
A mulher de Bo, Gu Kailai, foi acusada de ter envenenado um empresário britânico, em Novembro de 2011, segundo a acusação, para impedir que Neil Heywood revelasse que a ajudara a canalizar dinheiro para o estrangeiro; o marido, que começou a ser investigado por “grave violação da disciplina”, foi demitido do cargo que desempenhava no politburo do Partido Comunista; e Wang Lijun foi demitido do cargo de chefe da polícia por alegadamente ter encoberto o crime de Gu Kailai.
A mulher de Bo Xilai (uma advogada de renome internacional) acabou condenada à morte, em Agosto deste ano, com pena suspensa por dois anos, e Wang Lijun foi sentenciado a 15 anos de prisão. Falta conhecer o destino de Bo numa trama que tem muitas pontas soltas e que levanta mais dúvidas do que as respostas que dá.
As primeiras informações sobre a morte do britânico atribuíam as causas a ataque cardíaco ou a consumo excessivo de álcool. Mais tarde, surgiu a versão de que Gu Kailai teria recebido ilicitamente dinheiro e transferido seis mil milhões de dólares para contas no estrangeiro, com a ajuda de Neil, seu suposto amante. Mas os amigos deste dizem que Heywood, cujo corpo foi encontrado num hotel, não era um homem rico como seria de esperar de alguém que é acusado de movimentar milhões de dólares.
Olhando para 2009, altura em que a campanha de Wang Lijun foi responsável pela detenção de 5.700 pessoas (entre as quais a de um ex-vice-comandante da polícia, condenado à morte e executado) é caso para questionar se valeu a pena tanta virilidade.
Nem de propósito, um estudo da universidade de Inha, na vizinha Coreia do Sul, concluiu que os homens castrados que serviram os reis da Coreia ao longo de séculos viveram, em média, mais 14 a 19 anos do que os congéneres não castrados.
Os resultados do estudo, publicado esta semana na revista «Current Biology», sugerem que as hormonas masculinas (a testosterona) encurtam a vida dos homens.
Já se sabia que em muitas espécies as fémeas vivem mais do que os homens e que a castração prolonga a vida dos machos. Nos seres humanos, não havia estudos conclusivos, apesar de, na década de 1990, uma investigação ter registado que a castração permitia prolongar em 14 anos a vida de doentes internados num hospital psiquiátrico, quando comparados com os doentes não castrados.
Agora, parece certo que a testosterona pode ter um efeito negativo sobre o sistema imunitário e ser um factor de risco cardiovascular, como pode comprovar a saga de Wang Lijun.

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