O comité do único Nobel atribuído em Oslo (os restantes são entregues na capital Sueca, Estocolmo) considerou que, ao darem instrumentos para os “mais pobres entre os mais pobres” alcançarem o seu próprio desenvolvimento, Yunus e o banco Grammen estavam a ajudar a “eliminar a pobreza no mundo” e, desta forma, a dar um contributo para a paz.
Dois anos antes, em 2004, o comité norueguês decidiu também distinguir os “esforços a favor de um desenvolvimento sustentado” e atribuiu aquele que é o Nobel mais cobiçado à activista queniana Wangari Muta Maathai pela sua “luta por um desenvolvimento ecológico, social, económico e cultural do Quénia e em África”.
A outorga do Nobel da Paz à União Europeia em 2012 é um murro no estômago dos que hoje, na Europa, se confrontam com o seu próprio empobrecimento. Premiar a UE com o argumento de que o seu “papel estabilizador” ajudou “a transformar a maioria da Europa de um continente marcado pela guerra num continente de paz” não é um eufemismo. É uma mentira, uma mistificação da sua recente deriva.
O argumento serviria há uns anos. Hoje está completamente desajustado e desfasado da realidade, como comprovam as greves e manifestações que se multiplicam na Grécia, em Espanha e Portugal; que se alastram ao Reino Unido e Itália; que já contaminaram Malta e que estão na iminência de deflagrar noutros países europeus, sobretudo os que aderiram à moeda única.
Como frisou o Nobel da Economia de 2001, Joseph Stiglitz, a moeda única é ponto de discórdia entre os europeus e que, por isso, “não é bom para a paz”.
Se havia dúvidas, Stiglitz, que conhece bem o impacto das medidas económicas na manutenção da paz, afirmou no próprio dia em que foi conhecido o Nobel da Paz de 2012 que todos os “observadores externos concordarão que o euro e a política de salvamento do euro dividem os europeus neste momento”. E as divisões não são só entre países, são também dentro dos próprios Estados, “onde correntes extremistas e nacionalistas estão a tornar-se mais fortes” e “isso não é bom para a paz”.
A perplexidade é fácil de perceber. Como é possível falar de uma União Europeia quando nem todos os países que dela fazem parte integram a Zona Euro? Como é possível promover a paz quando os interesses dos país são tão divergentes e, nalguns casos, antagónicos? Como é possível promover a união quando uns decidem e os outros, os mais fracos, cumprem? Como é possível a estabilidade quando se navega à vista, defendendo hoje o contrário do que se defendeu ontem?
Horas antes de mais um Conselho Europeu, esta semana, a chanceler alemã, Angela Merkel, defendeu que a União Europeia deve poder intervir na aprovação ou rejeição dos orçamentos nacionais dos Estados membros, numa clara ingerência nos países de uma Europa que não é uma federação, marcando, desta forma, o tom da reunião.
Com esta proposta, Merkel quis dar o último passo para a perda de soberania dos Estados-membros. Segundo a senhora Merkel, os planos de austeridade que hoje são impostos apenas aos países que recorrem a ajuda externa, porque não conseguem financiar-se nos mercados, passam a ser decretados por veto da União Europeia aos seus orçamentos.
"Eu sei que vários Estados membros não estão de acordo, infelizmente (...) mas isso não muda nada no facto de nós nos irmos bater pela ideia", declarou Merkel na câmara baixa do Parlamento alemão, sob fortes aplausos, mostrando quem verdadeiramente manda na Europa.
Um dia antes, em entrevista a vários jornais europeus, o Presidente francês, François Hollande - que se assume como contrapeso, após derrubar o eixo franco-alemão traçado pela dupla Merkel/Sarkozy - voltou a insistir que "a união orçamental deve ser concluída através de uma mutualização parcial das dívidas, através dos 'eurobonds'".
"Todos participamos na solidariedade, não apenas os alemães! Paremos de pensar que haveria apenas um país a pagar por todos os outros. Isso é falso", acrescentou o Presidente francês, acrescentando que os portugueses e espanhóis estão a pagar caro a desregulamentação dos outros e que é preciso dar-lhes alternativas à austeridade.
E estão a pagar com o quê? Desemprego, empobrecimento e instabilidade que fragiliza os seus Estados; o contrário daquilo que a Academia Norueguesa vê, não sendo capaz de vislumbrar que a Europa está cada vez mais perto da guerra.
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