quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Equívocos (crónica publicada no Novo Jornal)

O brasileiro Gilberto Araújo teve conhecimento da sua morte um dia antes do funeral. Um conhecido abordou-o na rua, dizendo-lhe que a sua família estava prestes a sepultá-lo. Em Alagoinhas, perto de Salvador, o velório já ia longo, com familiares e amigos a velarem o corpo inerte no caixão.
Surpreso com a notícia, Gilberto ligou para casa, mas não desfez o equívoco. Quem atendeu a chamada pensou tratar-se de brincadeira… afinal, morto não telefona. O “falecido” pôs-se então a caminho.
Era um domingo solarengo, em casa da mãe vivia-se um ambiente nublado. A presença de Gilberto gerou alvoroço. “Teve muito susto. As meninas caindo ali, desmaiando, gente correndo. A rua encheu de moto, de carro, de tudo”, relatou a vendedora Maria Menezes, dando conta do banzé.
Passado o susto inicial, a família refez-se da emoção. “Qual é a mãe que tem um filho que dizem que está morto e depois aparece vivo?”, interrogou dona Marina Santana.
O irmão, embasbacado, tratou de se justificar. Afinal fora ele que confirmara tratar-se do cadáver do irmão, quando a polícia o chamou para reconhecer o corpo de um lavador de automóveis que tinha sido assassinado no fim-de-semana. “Eu já não via o meu irmão há quatro meses e o corpo era muito parecido”, afirmou José Marcos.
A polícia compreende a confusão, dadas as semelhanças físicas e de profissão entre o verdadeiro e o falso morto, e alega que também foi vítima do equívoco, digno de uma comédia de humor absurdo.
Mais revelador foi o equívoco protagonizado esta terça-feira pelo herdeiro da coroa espanhola.
Felipe de Borbón saía da igreja de São Francisco de Borja, em Madrid, depois de assistir a um funeral, quando uma mendiga lhe estendeu a mão e o príncipe retribuiu, cumprimentando-a. 
O caso teria passado despercebido não fosse a cena ter sido gravada. No filme vê-se a mulher a estender a mão, num gesto inequívoco de apelo à esmola, e Felipe de Borbón a cumprimentar a pedinte, sem qualquer hesitação.
Por ser inocente, a resposta do herdeiro da coroa espanhola passou incólume. Não gerou qualquer tipo de polémica ao contrário da sentença, proferida esta semana, por um tribunal italiano, que condenou seis cientistas e um ex-oficial do governo por terem “subestimado” os riscos do terramoto que, em 2009, matou 309 pessoas e destruiu a cidade de Áquila.
O juiz do tribunal regional, Marco Billi, que condenou os réus a seis anos de prisão por “homicídio por negligência” e ao pagamento de indemnizações por danos, considerou que os acusados forneceram informação “incompleta e contraditória” sobre o terramoto, numa sentença que gerou a repulsa da comunidade científica internacional, por não ser possível prever os terramotos.
“Isto abre um precedente muito perigoso e temo que desencoraje outros cientistas de oferecer conselhos e tentar ajudar a sociedade”, advertiu Richard Walters, do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Oxford.
Mais de cinco mil cientistas subscreveram uma carta aberta ao Presidente italiano Giorgio Napolitano, mas a iniciativa não foi suficiente para impedir a sentença populista de um juiz, que vê os sismólogos como novas pitonisas, e que devia ter recaído sobre os responsáveis governamentais. Esses sim votaram ao abandono a maior parte dos edifícios de Áquila, que acabou por não resistir ao sismo de 6,3 graus de magnitude na escala de Ritcher, e não souberam reagir ao abalo.
Cheia de equívocos e manipulações está a campanha para as presidenciais norte-americanas, que conheceu mais um episódio pícaro.
O magnata Donald Trump, um demagogo sem paralelo, anunciou que doará cinco milhões de dólares a uma organização sem fins lucrativos se o Presidente Obama apresentar publicamente um conjunto de documentos privados, como o seu historial universitário ou os papéis que entregou para solicitar o passaporte.
Trump insiste que a presidência de Obama não é legítima porque, alega ele, Barack não nasceu nos EUA, ressuscitando um velho fantasma que levou a Casa Branca a publicar no seu web-site a certidão de nascimento do Presidente.
Barack, que nasceu no Havai, aproveitou um dos programas de maior audiência da televisão americana – o show de Jay Leno - para responder a Trump, alegando que a rixa entre os dois começou há muitos anos no Quénia, a terra do seu pai.
“Isto tudo começou quando crescíamos no Quénia. Tínhamos constantes disputas no futebol, ele não era muito bom e ficava ressentido. Quando finalmente nos mudámos para os EUA, achei que isto teria acabado”, afirmou um bem-disposto Barack Obama, mostrando que o humor é a melhor arma para lidar com o burlesco.

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