terça-feira, 27 de novembro de 2012

De África para...

"As pessoas não ignoram os que morrem de fome, então, porque é que nós iríamos ignorar os que morrem de frio?”
O apelo do rapper Breezy V foi lançado e, em pouco tempo, a campanha para comprar aquecedores para as crianças da Noruega tornou-se um sucesso no Youtube, alcançando meio milhar de visualizações em cinco dias.
Parece uma paródia, e é. Mas com um propósito.
O vídeo recorre à sátira para desmistificar ideias preconcebidas sobre África e romper com os estereótipos ligados ao continente, como explicam os promotores, o fundo de assistência internacional «The Norwegian Students and Academics» (Estudantes e Académicos Noruegueses).
O grupo pegou na campanha de 1985 contra a fome na Etiópia e no vídeo «We Are The World», que mobilizou a ajuda internacional, e virou-a do avesso. Esta, em vez de levar comida, quer levar calor a quem não o tem. Em pano de fundo surge o território gelado da Noruega, onde os cidadãos enfrentam tempestades (no início do vídeo vê-se um norueguês a debater-se contra o vento) e o frio glaciar, que “é tão mau como a pobreza”, como afirma o rapper sul-africano Breezy V, antes de o coro de músicos africanos começar a cantar.
“Na Noruega as crianças estão a gelar. É tempo de nos importarmos. Há calor suficiente para a Noruega, se os africanos partilharem (…) Não podemos fechar os olhos. Vamos pôr os nossos aquecedores a caminho. Raid-Aid to Norway”, cantam os músicos africanos, entre imagens de jovens a recolher aquecedores.
Esta réplica da «Band-Aid», que se autointitula «Raid-Aid», quer acabar com as explicações simplistas dos problemas em África e suscitar uma reflexão sobre os estereótipos prevalecentes nas campanhas de auxílio humanitário ao continente africano.
Para os autores da iniciativa não basta criar a ideia de que África é algo que se ajuda ou que se abandona, com imagens e ideias simplistas. É imperioso dar conta das evoluções positivas no continente e nos diversos países que o compõem.
Sem ponta de humor e com um grau de obscenidade que raia o pornográfico é o que se passa em Portugal com as investigações judiciais a personalidades angolanas.
Depois do cerco a Álvaro Sobrinho, numa campanha que não conseguiu sustentar qualquer crime cometido pelo homem forte do Banco Espírito Santo de Angola (BESA), alguns actores judiciários viraram agora as antenas para figuras do Estado angolano, desencadeando investigações “em nome de uma certa moral e conceito de justiça, que permite fazer fugas de informação e violações ao segredo de justiça” como se Portugal fosse um “prostíbulo internacional”.
O criminalista e ex-inspector da Polícia Judiciária portuguesa Moita Flores, actual presidente da Câmara de Santarém, sintetizou bem este estado de esquizofrenia judicial que se instalou em Portugal, no programa «Justiça cega», da RTP Informação, o canal público de notícias.
“Altos governantes, por violação mais uma vez do segredo de justiça, foram atirados para a praça pública como se as autoridades portuguesas pudessem tutelar, do ponto de vista moral e judiciário, aquilo que se passa num Estado estrangeiro, com quem tem relações bilaterais e de cooperação e que, neste momento nos alimenta”, afirmou Moita Flores, manifestando, nos minutos iniciais do programa, o seu repúdio por estes ataques que visam “queimar” figuras, que “são o poder, soberano, num país democraticamente legitimado”.
“Eu não sei que investigação é esta!”, exclamou o criminalista, evidenciando que “os crimes praticados em Portugal são investigados pelas autoridades portuguesas” e os “crimes praticados em Angola são investigados pelas autoridades angolanas”.
As competências territoriais dos países não se medem, segundo Moita Flores, pelo “sonho imperialista ou pelo velho sonho colonialista”. Medem-se por “aquilo que são definições do direito internacional, do direito português e angolano e aquilo que são relações bilaterais entre Estados diferentes, com soberanias diferentes”.
O que disse Moita Flores - que foi acompanhado nas críticas pelos outros dois elementos do painel de comentadores, o juiz Rui Rangel, e o bastonário da Ordem dos Advogados portugueses, Marinho e Pinto - é tão óbvio que qualquer português com dois dedos de testa devia envergonhar-se desta senda justiceira. Se há o que investigar, que se investigue, mas sem o foguetório à volta.
Já agora, vale a pena atentar nas palavras do criminalista e virar as atenções para o que se passa dentro de casa. É que há muita matéria em Portugal para ocupar a justiça portuguesa. E à vista desarmada.

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