segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Furacões (crónica publicada no Novo Jornal)

 
 


Há alguns anos que o Brasil nos habituou a ver campanhas eleitorais absurdas, com candidatos bizarros a apregoar promessas desprovidas de sentido político e centradas no deboche.
Nas últimas eleições autárquicas lá vimos, uma vez mais, desfilar pelos tempos de antena candidatos improváveis, como Wolverine (figura da banda desenhada), Pirulito do Amor, Cobra Choca e Chupa Cabra.
Pelos écrans de televisão passaram também a Mulher Perereca, o Tiririca do Amapá, o Dó do Povo e o Pinto Pequeno, que assentou a sua campanha no slogan “Pequeno é só o pinto, porque a vontade é grande”.
Não se pense que este tipo de candidatos - que segundo o professor de marketing eleitoral da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo, Victor Trujillo, tem como público alvo “o eleitor que quer protestar e está absolutamente insatisfeito e incomodado com os candidatos disponíveis”, num país em que o voto é obrigatório – não colhe frutos.
O palhaço Tiririca foi o deputado federal mais votado no Brasil nas eleições de 2010, com 1,3 milhões de votos, causando a consternação da classe política, que tentou travar a sua tomada de posse, invocando que o humorista era analfabeto e, por isso, violou a lei eleitoral.
Em vão. Tiririca tomou posse e assumiu o lugar na Câmara dos Deputados, à custa do pregão “vote Tiririca: pior do que está não fica”.
Se no Brasil, este tipo de candidatos tem o condão de fazer escoar a insatisfação popular contra os políticos, nos Estados Unidos – que escolhem na próxima terça-feira, dia 6 de Novembro, o próximo Presidente entre o actual, Barack Obama, e o republicano Mitt Romney – elegem-se candidatos obtusos, sob a aparente capa da seriedade.
Os exemplos são vários e ilustrativos. O congressista republicano Paul Brown, que concorre a novo mandato pela Geórgia, desafiou há pouco tempo a ciência numa acção de campanha. “Todas aquelas coisas de que falei sobre evolução, a embriologia e a Teoria do Big Bang (que explica o início do universo) são mentiras das profundezas do inferno”.
O congressista, que não tem candidato adversário no estado da Géorgia, não se ficou por aqui. “Não acredito que a terra tenha mais de nove mil anos. Acredito que foi criada em seis dias. É o que diz a Bíblia”, acrescentou.
A verborreia de Paul Brown já de si é má, mas torna-se pior quando se sabe que ele é membro do Comité da Ciência e Tecnologia da Câmara dos Representantes, tal como Tod Akin, candidato republicano ao Senado pelo Missouri, que protagonizou um dos momentos mais escandalosos da campanha, ao afirmar que “em caso de violação legítima”, o corpo da mulher “tem formas de tentar resolver a questão”, referindo-se à gravidez.
Os exemplos não se esgotam aqui.
Outra pérola, reveladora da forma como muitos americanos olham para o seu país e para si mesmos, saiu da pena do representante do Arkansas, John Hubbard, e faz parte de um livro que ele autopublicou, sob o título «Confessions of a Frustrated Conservative».
No livro, o homem defende a teoria de que a escravatura foi uma bênção. Isto porque, segundo ele, “se não fosse a escravatura os negros teriam ficado em África e não desfrutariam das vantagens de viver na América”.
Parece insultuosa, mas a frase de tão patética ultrapassa o espectro do sentimento de racismo que lhe está subjacente.
Como é que estes loucos chegaram ao palco nacional da América é o que apetece perguntar, como fez recentemente John Stewart, no seu Daily Show, um dos programas de sátira política de maior audiência nos EUA. Uma espécie de noticiário travestido, mas muito mais informativo e esclarecedor do que alguns canais de informação existentes no país, como a Fox News – o principal canal de propaganda do partido republicano –, pondo em evidência a aparente esquizofrenia em que se transformou a política norte-americana.
A pergunta de Stewart merece reflexão e um esforço para lhe dar resposta. Uma delas está intimamente ligada aos custos que as campanhas eleitorais nos EUA atingiram, com esforços centrados em anúncios de propaganda que, com a mistificação, não só baralham os norte-americanos, como fazem passar por verdade aquilo que não passa de fantasia.
As eleições de 2012 atingiram um recorde de gastos histórico cifrado em 5,8 mil milhões de dólares. Isto quer dizer que em acções de campanha gastou-se quase tanto quanto os prejuízos estimados pelas seguradoras por danos causados pelo furação Sandy – 6,3 mil milhões de dólares.
A analogia não é despicienda.
Há muito que a política norte-americana se transformou num furacão que deixa um rasto de destruição na economia mundial.

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