No dia 7 de Agosto, Juan Manuel Sánchez Gordillo liderou saques a supermercados para dar comida aos que não têm dinheiro para a comprar. A “expropriação alimentar”, como lhe chamou o presidente da Câmara de Marinaleda, começou num supermercado de Écija, Sevilha, com Juan Manuel a explicar a operação de megafone na mão. “As grandes cadeias deixam caducar o prazo dos alimentos e atiram-nos para o lixo. Não podemos permitir isso quando há espanhóis que não comem todos os dias”, afirmou, enquanto apoiantes do Sindicato dos Trabalhadores da Andaluzia (SAT) saíam com seis carros de alimentos cheios, indiferentes aos protestos dos funcionários.
Mais pacífica foi a “expropriação alimentar” em Cádis. A gerência chegou a acordo com os salteadores do SAT e ofereceu 12 carros cheios de bens alimentares, que foram depois distribuídos por famílias carenciadas.
Mas quem é este Robin dos Bosques que afrontou o poder económico em Espanha e que, como presidente da Câmara de uma cidade com 2.700 habitantes na Andaluzia, desde 1979, tem provado que é possível viver em comuna?
Admirador de Che Guevara, com quem partilha o sonho revolucionário, Sánchez Gordillo é a encarnação física dos líderes comunistas que se tornaram símbolos históricos. De barba longa, como Che, Fidel Castro e Lula da Silva (nos seus tempos de sindicalista), é um defensor da luta dos trabalhadores rurais e, com ela, instituiu uma democracia directa há mais de 30 anos, a 100 quilómetros de Sevilha.
Gordilho é o presidente da Câmara, reeleito sucessivamente desde 1979, mas quem manda é o povo. Todas as decisões são tomadas em assembleias populares, que convoca sempre que é necessário decidir. O povo comparece em massa, participa e vota. Todos têm voz, sem exclusão.
Na terra de Sánchez não há polícia – os 350 mil euros anuais que seriam necessários para manter os agentes na rua são aplicados em obras sociais; há pleno emprego – quando a taxa de desemprego em Espanha atinge os 24,6%, um pouco menos do que os 32% da sua Andaluzia natal; todos têm direito a habitação – um terço da população vive em casas, com três quartos e um jardim, construídas pelos próprios moradores com materiais cedidos pela Câmara, pagando uma renda de 15 euros mensais; e as regalias sociais que os habitantes de Marinaleda beneficiam incluem creche para os filhos (por 12 euros mensais), piscinas municipais e alimentação escolar por um preço simbólico (13 euros mensais).
A esmagadora maioria da população trabalha na cooperativa agrícola Terra da Utopia, onde todos recebem o mesmo: 47 euros diários por uma jornada de trabalho de seis horas e meia, levando para casa 1.034 euros, no final do mês. Gordillo não é excepção, ganha o mesmo valor, apesar do cargo de presidente.
É certo que nesta comuna, onde se cumpre o sonho comunista, nem tudo foi pacífico ou é. O projecto de Gordillo, que começou o seu trajecto pessoal como sindicalista, aos 17 anos de idade, nasceu com ocupações de terras, greves de fome e muitas prisões, até que conseguiram fazer com que o governo da Andaluzia acabasse por expropriar 1.300 hectares, “subtraídos” aos 17 mil da herdade El Humoroso, dos duques do Infantada, em 1991. Foi ali que Juan Manuel criou a cooperativa, que alicerça a sua actividade na agricultura biológica de alcachofras, favas e pimentos e na produção de um dos mais afamados azeites de Espanha.
Envergando sempre um lenço palestiniano (tem dezenas e de várias cores), o presidente da Câmara de Marinaleda continua a ocupar solos, porque os que a Terra da Utopia gere não chegavam para dar trabalho a todos os habitantes, e lidera protestos contra o governo para o obrigar a alterar políticas. Depois das “expropriações alimentares”, conduziu marchas com centenas de trabalhadores a Jaén, a Córdoba e a Cádis.
Casado e com dois filhos, Gordillo tornou-se sindicalista, antes das primeiras eleições livres em Espanha, realizadas em 1979, onde conquistou a maioria absoluta em Marinaleda. Dois anos antes, com apenas 22 anos, fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e o Partido Colectivo Unidade dos Trabalhadores, rampas de lançamento para o projecto colectivista que renova, sucessivamente, graças ao principal instrumento que o povo tem nas mãos: o voto.
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