Os dois meninos envolveram-se numa luta no pátio da escola.
A polícia foi chamada. Algemou a criança e levou-a para a esquadra.
Durante cinco longas horas, a polícia submeteu o menino a um intenso interrogatório, tratando-o como um qualquer suspeito, mas não lhe conseguiu arrancar uma confissão.
Afinal de contas, a criança não se tinha apoderado dos cinco dólares. Outro colega da escola acabou, mais tarde, por confessar o roubo.
Esta história não aconteceu no Afeganistão, onde vigora uma lei discricionária que não poupa crianças, mulheres ou pessoas indefesas. Também não aconteceu numa terra sem lei, ou melhor sem Estado que a faça aplicar, como a Somália. Aconteceu nos Estados Unidos, país do primeiro mundo que, em matéria de arbitrariedades, não tem quem lhe faça peito.
Acresce que esta cena envolveu uma criança, de origem hispânica, e passou-se numa escola do Bronx, o bairro nova-iorquino que é um dos mais populosos do mundo, onde se conseguem ouvir mais de 50 línguas.
Com metade da população hispânica, 33 por cento de habitantes negros e 14 por cento de brancos (os restantes são formados por asiáticos e outras etnias), o Bronx representa o cosmopolitismo americano, mas condensa em si também todas as tensões provocadas pela vivência neste tipo de puzzles multiculturais.
A alta incidência de focos de criminalidade levou a polícia a adoptar uma postura musculada, sobretudo junto da população hispânica e negra, favorecendo a formação de gangues antagónicos que se digladiam.
Nem a quantia roubada, nem a idade do suspeito justificam a actuação da polícia. Também não se compreende o papel da escola, no meio desta história relatada pelo «The New York Post».
Mas também não é de estranhar, tendo em conta que, em Maio de 2012, um aluno, de seis anos, foi acusado de assédio sexual por ter cantado a música «I’m sexy and I know it», da banda LMFAO, a uma colega, enquanto esperava na fila da cantina para almoçar. O pequeno foi proibido de entrar na escola primária de Aurora, no Colorado, durante três dias, segundo um comunicado da direcção, porque “há políticas e protocolos em vigor para evitar qualquer perturbação no meio de aprendizagem”. Espantoso, não?
Um ano antes, uma escola primária da Flórida chamou a polícia porque uma menina, de 12 anos, beijou um colega, durante uma aula de educação física, acusando-a de crime sexual.
A família do pequeno Wilson é que não esteve pelos ajustes. Accionou um processo judicial contra a cidade e a polícia de Nova Iorque pela reacção “exagerada” e pede uma indemnização de 250 milhões de dólares.
Também exagerada foi a actuação da polícia perante a iniciativa de um activista norte-americano.
Farto da cultura securitária implantada nos aeroportos, depois dos atentados do 11 de Setembro de 2001, Aaron Tobey, da Virgínia, resolveu escrever no peito uma versão curta da Quarta Emenda da Constituição norte-americana.
“O direito das pessoas estarem seguras contra as perseguições e apreensões, sem motivo, não deve ser violado”, escreveu ele. A segurança do aeroporto internacional de Richmond não achou graça ao protesto silencioso de Tobey, forçou-o a despir-se na área de segurança, algemou-o e deteve-o durante 90 minutos por conduta desordeira.
No decurso de um processo civil, accionado em 2010, o tribunal deu razão a Aaron e aproveitou para dar uma lição de história. “O sr. Tobey, que fez um protesto silencioso e pacífico com o texto da nossa Constituição, estava devidamente dentro do âmbito de protecção da Primeira Emenda. E, apesar de ser tentador afirmar que os direitos da Primeira Emenda devem estar de acordo com a segurança nacional, neste caso, o nosso antepassado Benjamin Franklin advertiu contra tal tentação ao dizer que quem puder dar a liberdade essencial para obter uma segurança mínima temporariamente, não merece nem liberdade nem segurança. Nós concordamos e seguimos a sua opinião e, por isso, estamos dispostos, mesmo que relutantemente, a esquecer as protecções da Primeira Emenda, mesmo num aeroporto”.
Apesar das arbitrariedades cometidas pelas suas instituições, como é o caso da polícia, elas não passam na malha apertada do aparelho judicial norte-americano. E se há país que tem dado lições sobre a aplicação da lei são os EUA. Nem os políticos ou figuras de proa da cena internacional escapam ao texto da lei. Ali, o poder não tem força suficiente para derrubar a carta fundadora da Nação.
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