segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Má companhia (crónica publicada no Novo Jornal)

O ministro das Finanças japonês surpreendeu esta semana com uma declaração sobre o direito à morte dos doentes idosos.
Surpreender não é bem o termo, tendo em conta que Taro Aso há anos vem assombrando o Japão com a sua conduta imprópria para um homem de Estado.
Ainda assim a última tirada do ex-primeiro-ministro japonês, que regressa à política activa após ser derrotado nas urnas em 2009, é difícil de compreender. Mesmo que a sua carreira esteja recheada de gaffes e declarações infelizes que levaram os media japoneses, em 2008, a compararem-no, em disparates, ao então Presidente dos EUA, George W. Bush, depois de uma série de declarações públicas que causaram embaraços internos e externos.
Uma das declarações públicas mais conhecidas foi proferida em 2001. Na qualidade de ministro da Economia, Aso disse que queria fazer do Japão um país tão bem-sucedido que levasse os judeus mais ricos a quererem viver ali. Já em Outubro de 2005, durante a cerimónia de abertura do Museu Nacional de Kyushu, onde está bem patente a forma como outras culturas asiáticas influenciaram o Japão, Taro manifestou-se satisfeito por o país ter “uma cultura, uma civilização, uma linguagem e um grupo étnico”, esquecendo-se que representa uma nação com vários grupos étnicos.
Taro Aso levou esta semana a sua dislexia mental mais longe e, um mês depois de tomar posse da pasta das Finanças, teorizou sobre os custos “desnecessários para o país” que os cuidados de saúde para doentes idosos implicam. Aso defendeu mesmo que a estes doentes devia ser permitido morrer rapidamente para aliviarem a pesada carga financeira que representa o seu tratamento na economia japonesa.
A declaração de Aso não foi gratuita. O ministro das Finanças proferiu estas frases, citadas pelo jornal britânico «The Guardian», durante uma reunião do conselho nacional dedicada às reformas da segurança social e ao orçamento da saúde.
Num dos países onde a esperança média de vida é das mais elevadas do mundo, onde os casamentos e a natalidade decresceram abruptamente e onde um quarto da população de 128 milhões de pessoas tem mais de 60 anos, o “problema só será resolvido” se se “deixar os idosos morrer rapidamente”, segundo Aso.
Que Deus não permita que sejam forçados a viver quando querem morrer. Eu iria acordar sentindo-me incrivelmente mal por saber que o tratamento era totalmente pago pelo Governo”, justificou o ministro que toma conta das finanças do Japão.
Mas não se pense que Taro Aso quer o mal dos outros. Ele próprio, que já vai nos 72 anos, recusa assistência médica se ficar gravemente doente e já deu instruções à família para que não lhe sejam ministrados tratamentos que lhe prolonguem a vida.
“Não preciso desse tipo de cuidados”, afirmou com o mesmo desassombro com que, em Outubro de 2008, reagiu aos media japoneses, depois de noticiarem que Aso foi visto 32 vezes, no mês de Setembro, a sair de restaurantes e bares de hotéis de luxo, onde teria jantado e bebido. “Não vou mudar o meu estilo de vida. Felizmente, tenho o meu dinheiro e posso pagar isso”, afirmou Aso, muito criticado, inclusive pelo seu partido, pela vida faustosa que levava, em contraste com o seu antecessor, Yasuo Fukuda, que apenas jantou fora sete vezes, durante o primeiro mês de mandato.
É certo que Aso tem dinheiro para jantar fora todos os dias em hotéis de luxo, mas expõe-se a que a sua vida seja escrutinada, como aconteceu em 2008, e o seu passado remexido, bem como o da sua família. A forma como enriqueceu saltou para as primeiras páginas dos jornais, com alegações de que as minas de carvão da sua família, a Aso Mining Company, ganharam dinheiro à custa de trabalho escravo, ao forçarem prisioneiros de guerra dos Aliados a trabalharem de graça, em 1945, quando chegou ao fim a segunda grande guerra mundial.
Segundo os jornais ocidentais, 300 prisioneiros, incluindo 197 australianos (dois deles morreram), 101 britânicos e dois holandeses trabalharam nas minas da família de Aso, havendo fotografias, tiradas em Agosto de 1945, de uma força australiana subnutrida nas minas. Os jornais reportaram ainda que 10 mil coreanos foram obrigados a trabalhar na Aso Mining Company, entre 1939 e 1945, sobre severas e brutais condições, muitos deles morreram ou foram feridos enquanto recebiam ordenados miseráveis.
Só à luz destes acontecimentos se consegue enquadrar uma tese como a que agora Aso defende para salvar a segurança social do seu país. Mas a receita revela um profundo desprezo pela vida humana de um homem que, nem num bar, deve ser boa companhia.

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