segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Rodriguez (crónica publicada no Novo Jornal)

Em 1970, Rodriguez lançou nos Estados Unidos da América o primeiro de dois álbuns, numa carreira que parecia promissora, mas que foi abruptamente interrompida. Os dois discos que o jovem, filho de pais mexicanos, gravou nos EUA atravessaram o Atlântico e, na África do Sul, tornaram-se emblemas de uma geração que lutava contra a segregação racial.
Versões piratas de «Cold Fact», gravado em 1970, e «Coming from Reality», em 1971, começaram a circular no país do Apartheid, em 1991, e as letras politizadas de Rodriguez transformaram-no num símbolo, ganhando uma popularidade reservada a muito poucos artistas.
O músico e compositor de negros cabelos escorridos e viola debaixo do braço, que no seu país se viu relegado para um penoso silêncio, chegou a ser comparado a Bob Dylan na África do Sul e a sua fama rivalizou com a dos Rolling Stones. O Zimbabze, Nova Zelândia e Austrália eram outros três países onde os discos de Rodriguez circulavam e onde acumulava fãs, sem que o músico disso tivesse conhecimento.
O seu desaparecimento de cena foi interpretado como sinal de morte e no país do Apartheid a notícia do seu suicídio chegou a ser veiculada. Em Detroit, no estado norte-americano do Michigan, Rodriguez levava uma vida pacata de operário da construção civil, realizando demolições em casas e edifícios na cidade onde nasceu e onde sempre viveu, indiferente ao facto de tocar tanta gente em continentes distantes.
Sixto (assim baptizado por ser a sexta criança a nascer do casamento de uma família de imigrantes do México) nunca abandonou a sua guitarra. A sua voz permaneceu intacta e pronta para o regresso à terra onde era visto como uma estrela. Dois fãs sul-africanos encetaram uma busca pelo músico, partindo com muito pouca informação sobre ele, e descobriram que Rodriguez estava vivo. Em 1998, foi convidado a efectuar uma turné na África do Sul livre, longe de imaginar a dimensão da passageira vermelha que lhe foi estendida. O país de Nelson Mandela recebeu-o com ginásios lotados e seis concertos emotivos, com milhares de pessoas a entoaram as canções de «Cold Fact» e «Coming from Reality». A sua música «Sugar Man» foi gravada por várias bandas de rock, como os Just Jinger.
Um documentário acerca da tour sul-africana «Dead men Don’t Tour: Rodriguez in South Africa» 1998 foi exibido em 2001, no canal sul-africano SABC TV. Nesse mesmo ano, o cantautor regressou ao país de Mandela, depois de actuar na Suécia, e em 2005, volta a África de Sul para novos concertos. Em 2007, Rodriguez regressa à Austrália (onde actuara nos anos 1970), depois de «Sugar Man» fazer parte da banda sonora do filme «Candy», que tinha no elenco o actor australiano Heath Ledger, que morreu, no início de 2008, pouco antes de estrear o filme da saga Batman «O Cavaleiro das Trevas», onde interpretou o papel de Joker.
Ressuscitado na África do Sul, Rodriguez continuou a ser ignorado nos EUA até 2012.
O realizador sueco Malik Bendjelloul resolveu documentar a procura de Rodriguez e o reencontro com os fãs sul-africanos, com o documentário «Searching For Sugar Man, que estreou este ano. O filme levou anos a ser concluído, por falta de financiamento, o que obrigou o realizador sueco a suportá-lo sozinho, esvaziando o seu bolso quase até à miséria.
Finalmente, a notoriedade chegou na sua terra natal. Aos 70 anos, Rodriguez tornou-se um fenómeno de popularidade e foi descoberto pelos norte-americanos.
Arrancado à pacatez da sua Detroit natal, Sixto foi convidado a actuar num dos programas mais famosos da TV americana, o Late Show wiht David Letterman, e a CNN dedicou-lhe várias horas de programação, passando em revista a sua vida. Em Setembro deste ano, o jornalista Stephen Robert Morse lançou uma petição para que fosse concedida a Rodriguez uma distinção do Centro Kennedy e, em Outubro, a história de Sixto chega ao famoso programa da CBS «60 minutos».
Embora tardiamente, o reconhecimento do músico folk é um sinal de esperança num ano assolado por crises, catástrofes naturais, convulsões políticas e sociais em vários países do mundo e que poucas saudades deixa.
Ficam algumas questões a carecer de resposta: Ser descendente de mexicanos contribuiu para esse silenciamento na sua terra Natal? E a sua origem foi decisiva para o sucesso conseguido no país do apartheid, onde se lutava contra a segregação? Para mim, é apenas o triunfo da humanidade quando um sueco, com um filme, ata as pontas do mundo com as cordas da guitarra de um grande músico, a quem não foi prestada a atenção que merecia.

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