segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Casa com segredos (crónica publicada no Novo Jornal)

Em Dezembro de 2011, o semanário português Sol noticiava, em parangonas, ter descoberto a identidade do estripador de Lisboa, o homem responsável pela morte de três prostitutas, nos anos de 1992 e 1993.
Os crimes, que chocaram o Portugal do início da década de 90 do século XX e que puseram em sobressalto a noite lisboeta, prescreveram em 2000, sem que as autoridades policiais conseguissem identificar suspeitos.
Mas, volvidas duas décadas, o Sol alcançava um feito nunca atingido antes: dar rosto e nome ao estripador de Lisboa.
Dadas as semelhanças com o caso que, um século antes, chocou Londres – os alvos eram prostitutas, cujos corpos tinham sido esquartejados e mutilados – o caso português foi buscar o nome ao «Jack, o estripador». Só que, ao contrário do processo inglês, cujo assassino permaneceu desconhecido até aos dias de hoje, o Sol assegurava, numa das suas edições de Dezembro de 2011, ter descoberto o estripador português.
Segundo a investigação de Felícia Cabrita, a jornalista que desfiou o novelo dos crimes de pedofilia na Casa Pia, tratava-se de José Guedes, de 46 anos, ex-empregado da construção civil e à data desempregado e a viver em Matosinhos.
Este pai de família, que a repórter ouviu com o recurso a uma câmara oculta, teria sido traído por um dos três filhos, que usou um segredo do pai, conhecido no meio familiar, para chegar ao programa televisivo «Casa dos Segredos». O filho, que acabou processado por falsas declarações, contou que, aos 11 anos, tinha lido um diário do pai, em que este contava os crimes de Lisboa.
A repórter do Sol não perdeu tempo e pôs-se em campo. Conseguiu chegar à fala com José Guedes e este, ignorando que Felícia tinha uma câmara oculta, confessou tudo: disse ser autor do homicídio de três mulheres, em 1992 e 1993, e da morte de uma prostituta na zona de Aveiro.
O país estremeceu, enojado, com os detalhes dos crimes, relatados por um homem de aparência duvidosa, discurso vulgar e atitude displicente, sem qualquer exibição de arrependimento ou remorso.
José Guedes foi detido pela Polícia Judiciária e o juiz de Instrução de Aveiro abriu um processo pelo crime que ainda não tinha prescrito.
Muita tinta correu nos jornais. O Sol ocupou parte das edições seguintes a revelar os contornos dos crimes, a exibir as gravações feitas por Felícia Cabrita com a confissão do alegado estripador, a ouvir antigas namoradas, que confirmavam o perfil violento do Guedes, e um leque alargado de testemunhos.
Em Outubro de 2012, começou o julgamento do confesso estripador, que entretanto negou tudo.
José Guedes havia sido submetido a uma avaliação psiquiátrica que concluiu que o homem era dominado por ideias homicidas e sofria de perturbação de personalidade anti-social. Na véspera do início do julgamento, a sua advogada pediu uma segunda avaliação, que revelou também uma mudança de discurso e que reiterou as conclusões da primeira perícia.
A segunda avaliação vai ainda mais longe. Os peritos médico-legais do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Baixo Vouga concluem que Guedes é um “potencial homicida, mas que é “imputável pelos seus actos”. Alegam que o homem nunca “apresentou uma explicação compreensível”, apesar de “lhe ter sido pedido várias vezes, uma explicação para ter assumido os crimes que agora nega” e não tem dúvidas em dizer que “todas as baterias utilizadas com o objectivo de avaliar a sua personalidade indiciaram a presença de uma personalidade anti-social”.
Nas conversas que manteve com os especialistas, o ex-empregado de mesa confirmou algumas informações dadas ao Sol, como o abandono pela mãe, quando tinha apenas dois anos, e a sua passagem por um orfanato, mas negou ter sofrido qualquer patologia médica importante, apesar de referir que entre 2000 e 2001 “se sentia cansado (…) não conseguia decorar pedidos de clientes, tendo recorrido a uma psicóloga que o orientou para um psiquiatra”. Informação que o psiquiatra a quem recorrera confirmou em tribunal.
Esta quarta-feira, os três juízes e quatro jurados reunidos pelo Tribunal de Aveiro absolveram José Guedes por falta de provas, apesar de a procuradora do Ministério Público ter afirmado, nas alegações finais, que toda a prova feita em julgamento “é bastante para afirmar, além de qualquer dúvida razoável” que o arguido cometeu os crimes de que é acusado.
Afinal a montanha pariu um rato. Ou, o que é ainda pior, anda tudo maluco!
Aquilo que começou com um segredo para dar acesso a um reality show da TVI apenas conseguiu gerar mais desconfiança no aparelho judiciário e no jornalismo português.

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