O Brasil voltou aos tumultos. Manifestações de
professores no Rio de Janeiro insuflaram ar na onda de protestos que invade
as ruas das principais cidades, com os media a terem uma actuação ambígua, que
oscila entre a tradicional hostilidade ao governo e a antipatia para com os
movimentos de protesto.
O jornalista Luciano Martins Costa tem sido uma das vozes
mais activas na denúncia das arbitrariedades dos media, usando o espaço radiofónico
do Observatório de Imprensa para pôr a nu uma certa esquizofrenia reinante
entre os principais meios de informação brasileiros.
“Depois de haverem oferecido amplos espaços e até estimulado
o boicote promovido pelas associações médicas, os jornais mudam de posição e
passam a contabilizar os prejuízos causados no sistema de saúde pelo movimento
corporativista dessas entidades”.
“O caso mais interessante é o
do Globo, que durante a
recepção dos primeiros profissionais vindos do exterior chegou a publicar
títulos jocosos que claramente procuravam desmoralizar o programa. Na terça-feira
(24/9), o jornal carioca tem como manchete um balanço dos estragos produzidos
pelo corporativismo das entidades médicas. “De norte a sul do Brasil, a cena
foi a mesma: médicos formados no exterior chegaram para o trabalho no Programa
Mais Médicos, mas não puderam atender ninguém porque os Conselhos Regionais de
Medicina não concederam os registros provisórios”, diz o texto na primeira
página”.
De maneira quase unânime, como
regista o ex-editor do «Estado de S. Paulo», os “três principais diários de
circulação nacional induzem o leitor a condenar a atitude das associações
profissionais de saúde, sobre as quais pesa a responsabilidade pelos problemas
criados com a falta de atendimento nos lugares mais pobres do país”, o que leva
Luciano Martins a questionar: “O que teria mudado na orientação das redacções,
que até poucas semanas mal conseguiam dissimular o regozijo pelas dificuldades
na implantação do programa de emergência?”
Esta semana, surge uma nova
prova da remissão dos media brasileiros, protagonizada pelo mesmo diário
carioca. Depois de uma forte investida contra os manifestantes que, em várias
cidades, protestam contra os gastos com o Mundial de Futebol de 2014 e os Jogos
Olímpicos de 2016, defendendo em alternativa o investimento em áreas vitais,
como a saúde e educação, «O Globo» denuncia uma manobra da Polícia Militar para
prender um manifestante, no Rio de Janeiro.
A equipa de reportagem do diário regista o momento em que um
polícia coloca um morteiro na mochila de um dos manifestantes, simulando um “flagra”.
O vídeo obrigou o Comando da Polícia Militar a indiciar os dois oficiais que
comandaram a operação e fez crescer uma onda de indignação contra a actuação da
polícia, sistematicamente acusada de violência. Um dos agentes da PM envolvidos
é o mesmo que é apanhado a lançar gás pimenta contra uma professora.
As imagens dos repórteres de «O Globo» não deixam
margem para dúvidas. Elas começam no momento em que um graduado da PM circula
por entre os manifestantes, que começam a dispersar, com um morteiro na mão. A
data altura, os agentes cruzam-se com um grupo de jovens. Mandam-nos virar as
costas e abrir as bolsas. Um miúdo abre a mochila. O polícia que tem o morteiro
na mão aproxima-se e mete o artefacto dentro do saco. De imediato, dá voz de
prisão ao rapaz. “Eu não fiz nada”, reage o menor. Pelo aspecto não deve ter
mais de 16 anos. Está apavorado. O jovem é algemado e levado pela polícia. Os colegas
seguem-nos: “Cadê o morteiro? Cadê o morteiro?”, interrogam. Uma rapariga
grita: “Eu sou testemunha que eles plantaram o morteiro ali, eu sou
testemunha…” A jovem dirige-se à equipa de repórteres e adverte-os para a
cilada. Um posterior visionamento da cena confirma a suspeita. O vídeo é posto
nas redes sociais, com a indicação de que as imagens foram “registadas durante
o protesto do dia 30 de Setembro, na rua São José e arredores, no centro do Rio
de Janeiro”.
Os jornalistas cumpriram a missão de informar com verdade. É
isso que se espera deles. E não que tomem partido. Por nenhuma das partes.
Publicada no dia 4 de Outubro de 2013
Sem comentários:
Enviar um comentário