quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

IgNóbeis (crónica publicada no Novo Jornal*)

Na semana que antecedeu a atribuição dos Prémios Nobel, o biólogo e jornalista John Bohannon pôs em causa a seriedade da maior parte das publicações científicas de acesso grátis, que estão dispostas a publicar trabalhos sem rigor científico ou metodologia consistente a troco de dinheiro. Do universo de 304 revistas e jornais científicos contactado pelo jornalista da Universidade de Harvard, 157 aceitaram publicar o trabalho, apresentado como tendo sido feito por Ocorrafoo Cobange, do Instituto de Medicina Wassee, em Asmara, capital da Eritreia.
Os equívocos começam logo no início. Nem o dr. Ocorrafoo existe, nem o Instituto Wassee, o que seria fácil de verificar com uma simples pesquisa. Mais. O artigo oferecido por Bohannon tem falhas metodológicas graves e tão óbvias que não passariam ao escrutínio de um estudante do secundário.
Uma das revistas que “caiu” foi o Journal of Natural Pharmaceuticals, da editora Medknow, com sede na Índia, e que detém mais de 270 jornais científicos de acesso aberto. Além dessa, títulos de editoras gigantes, como a «Elsevier», de Amesterdão, na Holanda, e a «Sage», de Nova Iorque, também tropeçaram no embuste.
Curiosamente, a única que chamou a atenção para problemas éticos do texto foi a «Plos One», da Biblioteca Pública de Ciência dos EUA, jornal que já foi criticado por supostamente ter pouca qualidade na revisão feitas pelos pares.
“Aceitar é a norma, não a excepção”, afirmou o cientista, que lançou esta armadilha para testar a fiabilidade das revistas de acesso grátis que, ao contrário da «Science» e «Nature» - que vivem das assinaturas, são financiadas pelos autores dos estudos que publicam.
“Os resultados desta golpada revelam os contornos de um Oeste selvagem emergente nas publicações académicas”, conclui Bohannon. A Índia surge em primeiro lugar em número de revistas “apanhadas”, mas os EUA aparecem logo a seguir, o que atesta estar-se perante um fenómeno global, que nem a Universidade de Kobe, no Japão, deixa de fora.
O mercado dos estudos científicos é prolífero e profícuo, como demonstram os inúmeros trabalhos que todos os anos são divulgados.
Há estudos para todos os gostos e alguns são de utilidade duvidosa. Cito, como exemplo, o trabalho desenvolvido por três cientistas da Universidade de Emory, em Atlanta, nos EUA, que conclui que indivíduos com testículos menores tendem a colaborar mais em tarefas, como a troca das fraldas.
O estudo, divulgado em Setembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, sugere que a aptidão de um pai para cuidar dos filhos está associada ao tamanho dos testículos. Conclusão que escapa ao entendimento de qualquer comum mortal.
No plano da utilidade há trabalhos que desafiam a imaginação: cientistas do Canadá concluem que há uma espécie de peixe que comunica entre si, através da flatulência (gases via ânus); o matemático russo Rouslan Krechetnikov investigou um método para não derrubar café de uma chávena; e matemáticos britânicos encontraram a fórmula para decorar a árvore de Natal perfeita (para encontrar o número ideal de bolas, deve-se extrair a raiz quadrada de 17, dividir o resultado por 20 e multiplicar pela altura da árvore).
A futilidade de muitos estudos levou a revista humorística «Annals of Improbable Research», em colaboração com a Universidade de Harvard, a lançar, em 1991, os Prémios IgNobel, e que, em 2012, teve como grande vencedor o artigo «Rostos e rabos: a percepção do sexo pelos chimpanzés», resultado do estudo de um primatólogo holandês. Frans de Waal, juntamente com a colega Jennifer Pokorny, da Universidade da Califórnia, venceram o IgNobel de Anatomia por “terem descoberto que os chimpanzés podem identificar individualmente outros chimpanzés a partir de fotografias dos seus posteriores”, como se podia ler no comunicado.
A importância dos IgNobel mede-se por dois outros prémios atribuídos em 2012, nas categorias de psicologia e neurociência: No primeiro caso, a autora chega à conclusão que virar a cabeça para a esquerda faz a Torre Eiffel parecer menor; e o segundo demonstra que neurocientistas, usando instrumentos complicados e estatísticas simples, podem ver a actividade cerebral significativa em qualquer lugar – mesmo num salmão morto”.
Como se infere por estes exemplos, os caminhos da ciência são, muitas vezes, insondáveis. Mas lá que são úteis, são: fazem-nos rir.

*Publicada no dia 11 de Outubro de 2013

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