segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Malala e o Nobel (crónica publicada no Novo Jornal*)



Quando recebeu o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu, Malala Yousafzai disse que ainda não tinha feito o suficiente para receber o Nobel da Paz.
Depois de conhecido o vencedor de 2013, a questão que se impõe é: “O que fez a Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ), para além daquilo que é a sua obrigação, para merecer o Nobel da Paz?

Os “amplos esforços” que a OPAQ fez para eliminar os arsenais químicos pelo mundo, como justificou a Comissão norueguesa do Nobel da Paz, são a razão de ser deste organismo intergovernamental, que trabalha em cooperação com a ONU.
Premiá-la, por esse trabalho, é a inversão da mensagem. É o mesmo que dizer a um médico. ou a um advogado, se tratares bem o teu doente, ou o teu constituinte, serás distinguido. É pressupor que o julgamento que fizeram, quando assumiram a profissão, não é motor suficiente.
Nem o trabalho recente que a OPAQ está a realizar na Síria, após o acordo de desmantelamento do arsenal químico do regime de Bashar al-Assad, e que tirou a organização internacional do quase anonimato, justifica a escolha do Nobel, quando na lista de candidatos estavam nomes como o de Malala Yousafzai, ou do ginecologista congolês Denis Mukawege.
Ambos sacrificam a vida por princípios em que acreditam: Malala por defender o direito das raparigas a estudar; Dennis por ajudar mulheres violadas e perseguidas no seu país. Distingui-los com o Nobel seria uma mensagem para os que hoje atentam contra os princípios da Paz e, no caso de Malala, ajudaria a combater a guerra que os talibãs travam para impedir o acesso das meninas à escola.
Quando em 2007, o movimento fundamentalista talibã (maioritariamente formado por membros da etnia Pacthun), tomou o Vale do Swat, no norte do Paquistão, começaram a bombardear escolas, sobretudo femininas, e a espalhar o terror para obrigar o governo paquistanês a adoptar uma versão mais extremista do Islão, com base na Sharia.
Malala começou então a escrever um blogue, onde descrevia o dia-a-dia das meninas na sua terra e a difícil luta para obterem instrução. A sua acção não se confinou ao blogue. Visitou escolas por todo o país e espalhou a mensagem.
Em Outubro de 2012, a adolescente foi baleada por dois jovens, quando regressava da escola, num atentado reivindicado pelos talibãs. Levada para um hospital militar de Peshawar, Malala foi transferida, passados três dias, para o hospital Queen Elizabeth, em Londres.
Por razões de segurança, ficou a residir no Reino Unido, onde gere um fundo que ajuda raparigas a terem acesso à escola. 
Mas Rainaat Riaz e Shazia Ranazan, que estavam com ela na carrinha e que também foram baleadas, continuam no Paquistão. As duas adolescentes vivem constantemente sob escolta dos soldados do Exército paquistanês, tal como acontece com Hina Khan, de 18 anos, que fugiu do Vale do Swat há seis anos, depois de denunciar, numa conferência de imprensa, em Islamabad, as atrocidades cometidas pelos Talibãs.
É pelo futuro que muitos pais no Paquistão arriscam a vida das filhas quando as mandam para a escola. Com uma ofensiva militar, o Governo paquistanês varreu os talibãs do Vale do Swat, mas o movimento mudou-se para estados vizinhos, onde bombardearem 81 escolas num ano, para além das 400 que destruíram em Swat.
Numa localidade vizinha de Swabi, novo reduto do movimento, os talibãs atacaram uma carrinha, que transportava quatro professoras, uma médica e uma técnica de saúde. Sete pessoas morreram, incluindo o motorista. Apenas se salvou uma criança, de quatro anos, que seguia ao lado da mãe.
À medida que o Paquistão se vai fragmentando política e socialmente, os talibãs avançam para sul. Já chegaram a algumas zonas de Carachi, centro económico e financeiro do país. Há pouco tempo, atacaram uma escola, durante uma cerimónia de entrega de diplomas a alunas. O director da escola morreu, seis estudantes foram feridas por estilhaços de granada. Tahira, de 10 anos, está a recuperar no hospital. Ao seu lado, tem o pai, um jovem paquistanês que não hesita quando a repórter lhe pergunta se vai deixar a filha regressar à escola. “Ela tem um pouco de medo, mas que vamos fazer? Temos de educar as nossas crianças”.
Na escala de valores da Comissão Nobel deveria estar aquele que é um princípio básico da paz: não se calam as bombas, nem se destroem as armas químicas se não houver educação. É por aí que tudo começa.
 *Publicada no dia 18 de Outubro de 2013

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