quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ilusionismo político (crónica publicada no Novo Jornal*)

Não é que o ditado popular “o Natal é sempre que um homem quer” deixou esta semana de ser uma metáfora!
Numa decisão, sem precedentes, o Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, assinou um decreto que antecipa o Natal para o mês de Novembro.

O motivo é simples. Maduro pretende “derrotar a amargura” e, segundo ele, não há nada melhor do que um cântico de Natal para alcançar os desejos de “felicidade e paz”.
A felicidade é, de resto, uma das preocupações centrais do sucessor de Hugo Chávez. Por isso, o Presidente venezuelano anunciou, em Outubro, a criação da secretaria de Estado da Suprema Felicidade Social.
Com o país mergulhado numa crise profunda e com a escassez de produtos a fazer disparar os preços, nalguns casos 50% numa semana, a criação da nova secretaria de Estado parece não ter sido suficiente. E ainda é cedo para avaliar o impacto da antecipação do Natal, por decreto.
Mas Maduro não desarma e, sempre que pode, usa o trunfo chavista para reavivar as hostes e fazer sorrir os venezuelanos. Aparentemente, Nicolás ignora que o sorriso com que lhe retribuem não é de felicidade, mas de escárnio, arriscando-se a encimar a lista de presidentes mais talhados para a comédia do que para as questões de Estado.
A Venezuela ainda não recuperou do choque por Maduro ter dito que um passarinho que o acompanhara durante uma oração era o espírito de Chávez, e já surgiu com outra evocação do líder da revolução bolivariana.
Numa intervenção televisiva, transmitida há pouco mais de uma semana, Nicolás mostrou fotos daquilo que diz ser o rosto de Hugo Chávez gravado numa rocha, posta a descoberto durante as escavações para a construção do metropolitano da capital, Caracas.
"Vejam esta figura que apareceu aos trabalhadores. Podem perguntar-lhes (...) É um rosto. E quem está neste rosto? É um olhar, o olhar que está em todos os lados, inclusivamente nos fenómenos sem explicação", descreveu o Presidente venezuelano, referindo-se ao seu antecessor e mentor político.
Segundo Nicolás, a imagem "assim como apareceu, desapareceu", concluindo, portanto, que “Chávez está em toda a parte".
O delírio chavista de Maduro atingiu esta semana um pico. Com o Natal em Novembro, o Presidente da Venezuela não quis deixar o mês natalício sem efemérides festivas e decretou o 8 de Dezembro como «dia da lealdade e amor» a Hugo Chávez.
A iniciativa, instituída pelo decreto presidencial Nº 451, de 4 de Novembro de 2013, publicado na Gazeta Oficial Nº 40.286, circulou pelas mãos do povo e pelas instituições, com apelos para que “honrem com acção e pensamento a herança e o legado universal do máximo líder da revolução bolivariana”.
O decreto estabelece a realização de “actos e eventos comemorativos em todo o território nacional que exaltem o seu pensamento bolivariano, o amor infinito para com o seu povo, a defesa permanente do seu legado e o seu exemplo infinito”.
A escolha do dia não surgiu à toa. Foi a 8 de Dezembro de 2012 que Chávez anunciou que ia submeter-se a uma nova intervenção cirúrgica, a quarta, e pediu aos venezuelanos para que elegessem Nicolás Maduro, no caso de não conseguir regressar à presidência, como se verificou.
É também a 8 de Dezembro que terão lugar as eleições municipais na Venezuela que decorrerão, assim, num ambiente festivo em torno da figura de Chávez, o que levou o reitor do Conselho Nacional Eleitoral, Vicente Díaz, a reagir ao decreto, qualificando-o como um “acto de manipulação”.
"Isto é um acto de intromissão clara do Poder Executivo com actos em todo o país de celebração, quando se está a realizar uma jornada eleitoral", acusou.
A espiral circense de Maduro, que tenta iludir os venezuelanos mais com circo do que com pão, não esconde a profunda crise em que o país está mergulhado, nem o sentimento que se instala na Venezuela quanto à sanidade mental do Presidente, que espera uma decisão superior ao seu pedido para governar por decreto, ou seja, passando por cima do Parlamento.
Há dois meses que as prateleiras dos supermercados estão vazias de produtos essenciais, levando a que, pela primeira vez em muito tempo, oficiais na reforma, incluindo generais, almirantes e um ministro da Defesa, defendessem, numa declaração pública, que uma acção militar não seria um golpe de Estado.
Resta ver até que ponto vai a paciência do povo e a capacidade de Maduro para o ilusionismo político.

*Publicada no dia 8 de Novembro de 2013

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