Andy Lopez era um miúdo de 13 anos. Tocava trompete na banda
da escola. Era descrito como “um aluno muito querido, muito popular, muito
bonito, muito inteligente e capaz”.
Na terça-feira, o rapaz saiu à rua com uma espingarda de
plástico, na cidade de Santa Rosa, Califórnia, nos Estados Unidos. Acabou morto
pela polícia.
Atiradores de elite escolheram como alvos mulheres grávidas
e crianças, na guerra na Síria.
David Nott, um cirurgião britânico, que trabalhou em
diversos hospitais no país, ao serviço da ONG «Syria Relief», apresentou as
provas desta barbárie: um raio-X que mostra uma bala alojada na cabeça de um
bebé. A mãe sobreviveu, o feto não.
Segundo o cirurgião, este não é um caso isolado. Há outras
situações documentadas, envolvendo grávidas com sete e nove meses de gestação,
o que não deixa margem para dúvidas sobre o seu estado.
O xerife de Sonoma prometeu uma investigação séria e transparente
à morte de Andy. “Como pai de dois rapazes da mesma idade, não posso imaginar a
dor que a família está a passar”, declarou o chefe da polícia.
Na escola, o sentimento é de dor. Uma dor semelhante à que
se vive numa outra escola do estado de Nevada, onde um dia antes um professor
foi morto por um rapaz, de 12 anos.
Michael Landsberry, de 45 anos, era um veterano que
sobreviveu à guerra do Afeganistão. O professor de matemática tentou convencer
a criança a largar a arma, depois de ferir dois colegas, dando hipótese a
outros alunos de fugir. O rapaz ficou indiferente ao apelo e disparou.
O tiro ao alvo tornou-se uma espécie de desporto na guerra da
Síria. David Nott testemunha que cerca de 90 por cento das cirurgias realizadas
num dia normal, durante o tempo em que prestou serviço no país, foram provocadas
por balas de atiradores de elite.
O cirurgião britânico relatou que os atiradores recebiam
pequenos presentes, como maços de cigarro, consoante o número de pessoas que
atingia durante o dia.
O jogo tinha particularidades e não era feito ao acaso.
“Tivemos alguns dias, entre 10 a 15 ferimentos por balas, em que oito ou nove
foram direccionados a uma área específica: a virilha esquerda. No dia seguinte,
eram na direita. Parecia um jogo entre os atiradores”, descreveu Nott.
Fotos exibidas pela ONG «Syria Relief» mostram também crianças
mortas com ferimentos de bala na cabeça.
Entre a história de Andy Lopez e a que é contada por David
Nott há uma distância enorme. Andy foi morto num país em paz, enquanto que os
relatos de snipers a disparar sobre grávidas e crianças ocorre num quadro de
guerra. Mas entre um e outro há fenómenos de desagregação e desumanização que
se assemelham aos que eclodem em cenários de guerra.
A isto acrescem sentimentos securitários que servem de
rastilho à barbárie. No caso da Síria, porque há uma guerra em progressão, por
si só, geradora de ódios; no caso dos Estados Unidos há um sentimento de ameaça
permanente, alimentado pelas políticas de segurança interna que são, por si só
também, deflagradoras de violência.
O sentimento que faz com que qualquer cidadão seja suspeito
e contra os quais são cometidos diversos atropelos é um dos vértices de um triângulo
infernal. O caso de Carlos Balsas, que mora há 17 anos nos EUA, comprova isso
mesmo.
O professor universitário português, que dava aulas no
estado de Arizona, foi detido, em Janeiro, durante uma visita ao monumento Sino
da Liberdade, em Filadélfia, no estado da Pensilvânia. Abordado por um
segurança, Carlos recusou mostrar o conteúdo da sua mochila e de um saco que
transportava. Revoltado com a suspeita, respondeu que tinha explosivos dentro
da mochila e virou costas.
O professor acabou por ser detido por ameaça terrorista,
resistência à autoridade, posse de objectos criminosos e falso alarme e viu-lhe
aplicada uma caução de 263 mil dólares. Esta semana foi libertado, depois de
ter sido absolvido de todas as acusações.
Tal como na Síria, os EUA devem reflectir sobre a guerra que
se instaurou no país. Caso contrário, não há quem a trave.
*Crónica publicada no dia 25 de Outubro de 2013
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