Cento e noventa e um estados membros da ONU assinaram, em
2000, uma declaração onde se comprometiam a desenvolver políticas para alcançar
oito objectivos, com a erradicação da pobreza extrema e da fome à cabeça.
A um ano do termo do prazo estabelecido na Declaração do
Milénio – 2015 - o balanço é embaraçoso e, à excepção do continente africano,
da Ásia e da América do Sul, onde se registaram avanços no primeiro dos oito
objectivos traçados, o panorama é pior do que aquele que se vivia na dobragem
do milénio.
É certo que uma fatia das crianças com insuficiência
alimentar na capital financeira dos EUA é resultado do devastador furacão
Sandy, ocorrido há um ano, que deixou muitas famílias sem tecto. Mas a maior
parte, segundo a «Coligação contra a fome», está relacionada com os cortes
orçamentais nos programas sociais e uma economia norte-americana ainda débil.
O prosseguimento dos cortes deixa prever que o “pior ainda está
para vir”, alerta Joel Berg, director da coligação: “Enquanto os ricos garantem
uma alimentação melhor que nunca, entre os nossos vizinhos um em cada seis luta
contra a fome”.
Cenário idêntico regista-se em muitas cidades europeias,
exauridas por planos de austeridade que servem apenas “para salvar bancos”,
como alertou o presidente do Parlamento Europeu, que se candidata à presidência
da Comissão Europeia.
Martin Schultz tem-se batido contra a austeridade e quer uma
Europa próspera e mais solidária, defendendo uma inversão de marcha no caminho seguido
pela UE, que fortalece os mercados (bancos, seguradoras, bolsas e
multinacionais), mas deixa na rua da amargura a esmagadora maioria dos seus
cidadãos.
Não é difícil perceber o que Schultz diz e a urgência do que
ele diz. A Europa, tal como os EUA, andou para trás, se não em todos, pelo
menos nos mais importantes objectivos do milénio.
Dados de Outubro de 2013 revelam que o número total de
pessoas com fome crónica caiu 17% desde 1990. Trocando por miúdos, uma em cada
oito pessoas no mundo sofre de fome crónica, aponta a ONU, estimando em 842
milhões o número de pessoas subnutridas no mundo, entre 2011 e 2013. Menos 26
milhões do que no período anterior. A grande maioria está nos países em
desenvolvimento, mas há 15,7 milhões a viver em países desenvolvidos, onde se
registou um retrocesso, com novos pobres a surgirem diariamente. Começam por
perder o emprego, depois a casa e depois os alimentos.
Em 2012, Portugal acordou para uma realidade que julgara ter
deixado para trás. Dezenas de crianças deram entrada nos hospitais com sintomas
de subnutrição. Por estarem desempregados, os pais deixaram de ter dinheiro
para comida. Muitas escolas fizeram planos de emergência e passaram a alimentar
os alunos. Um ano depois, o cenário piorou. As famílias sofreram mais cortes
nos salários e reformas, outras viram um ou os dois membros do casal ficar sem
emprego e, em sentido inverso, os ricos ficaram mais ricos (alguns duplicaram a
fortuna) e novos ricos despontaram, agravando o fosso das desigualdades.
Depois de muito bater na tecla da austeridade, o presidente
da Comissão Europeia reconheceu, terça-feira, em Bruxelas, que os objectivos da
Estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável e inclusivo
não estão a ser alcançados. Desde 2010, a UE aumentou em 6, 7 milhões o número
de pessoas em risco de pobreza ou exclusão. E Durão Barroso, na Convenção Anual
da Plataforma Europeia Contra a Pobreza e Exclusão, lá disse aquilo que é
óbvio: “Vamos ser honestos: hoje, a situação é pior”.
Mas foi preciso vir primeiro o Papa Francisco clamar contra
a “nova tirania económica” fruto de um capitalismo sem limites, que produz
desigualdade e exclusão social e que irá resultar em violência e explosão.
Os políticos parecem ter desistido e estão a consentir um
retrocesso civilizacional, que só admite duas classes: os ricos (poucos) e os
pobres (a esmagadora maioria). Será que conseguem? É que ainda há muito quem
esbraceje e, finalmente, vemos uma Igreja atenta aos problemas dos homens.
*Publicada no dia 29 de Novembro de 2013
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