quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A derrocada (crónica publicada no Novo Jornal*)



A queda de Eike Baptista, que em 2012 foi considerado por Dilma Rousseff um exemplo para o Brasil, causou um vendaval nas bolsas e um estado de incredulidade geral.
Como foi possível? Esta é a pergunta que circula no Brasil e que tem mobilizado jornalistas e especialistas para tentarem explicar a derrocada daquele que chegou a ser o sétimo homem mais rico do mundo.
Eike construiu um império em torno do petróleo, que tinha mais de ficção do que de real, e, com uma lufada de ar, tudo se desmoronou. Muito pouco fica de pé nesta história, que é um teste para o mercado de títulos da América Latina.
No Brasil, os credores e parceiros de negócios de Eike correm para proteger os seus interesses. “Mas nos EUA e na Europa, os investidores em activos da América Latina têm de encarar outra questão: se o naufrágio do império de Batista arrastará com ele outros títulos empresariais da região?”, como assinala um texto do Financial Times, publicado no site do «Folha de São Paulo».
Nesta “história triste”, como a descreve Arthur Byrnes, director-executivo da Deltec Asset Management, multiplica-se o embaraço por ninguém ter percebido que Eike cresceu à custa da especulação e não do petróleo. Desde 2008, a sua empresa colocava no mercado acções que o próprio Eike valorizava.
As lições a tirar da derrocada do império de Eike, que falhou esta semana um acordo com os credores da petrolífera (o braço principal do Grupo OGX), tendo avançado na quarta-feira para um pedido de recuperação judicial, servem o Brasil, mas também o mundo.
A história conta-se em breves pinceladas.
A OGX Petróleo “nasceu” em Novembro de 2007, quando arrematou 21 blocos de no leilão da Agência Nacional de Petróleo, por 1,38 biliões de reais (100 reais correspondem a 45 dólares). “Trinta e cinco meses depois, em 15 de Outubro de 2010, atingia seu ápice, com valor de mercado de R$ 75,2 bilhões – ou o equivalente a um quinto do valor de mercado da Petrobras na época, mesmo sem ter, até aquele momento, produzido uma gota de óleo, enquanto a estatal produzia dois milhões de barris por dia”.
Uma cronologia publicada pelo jornal «O Globo» revela como foi isto possível.
A 13 de Julho de 2008, o OGX estreou em bolsa, com a captação de 6,7 biliões de reais junto a investidores, a maior oferta pública de acções realizada no país, atingindo o valor de mercado de 38,68 biliões de reais.
No dia 6 de Novembro de 2008, com a crise financeira internacional, as acções da OGX “despencaram”, acumulando perdas de 79,27%.
Em Agosto de 2010, a OGX anuncia ter descoberto gás na Bacia do Parnaíba, no Maranhão, com capacidade para produzir 15 milhões de metros cúbicos por dia, valor que representava “meia Bolívia” E, dois meses depois, as acções atingem a maior cotação, chegando aos 75,2 biliões.
A 15 de Abril de 2011, a OGX divulga que tem 10,8 biliões de barris de óleo, dos quais 1,1 bilião na Colômbia. A consultora DeGolyer faz a certificação do anúncio e, embora o volume não configure reservas provadas, as acções sobem.
Em Janeiro de 2012, a empresa de Eike produz o primeiro petróleo no campo de Tubarão Azul, na Bacia de Campos; dois meses depois, faz uma emissão de dívida no exterior no valor de 1 bilião de dólares e, em Julho, a OGX revê a produção do campo para cinco mil barris diários. Ou seja, um quarto do que tinha previsto.
O afastamento de Paulo Mendonça, o braço direito de Eike, é o primeiro sinal de problemas e, em Junho, a Fitch reduz a nota de crédito a OGX, equiparando-a à da Grécia.
A 1 de Julho, a petrolífera anuncia que o seu único campo em produção, o de Tubarão Azul, pode parar de produzir petróleo em 2014 e que os outros três campos, também na Bacia de Santos, foram considerados inviáveis. Dá-se início à derrocada.
Nesta quarta-feira, as acções da empresa chegaram ao valor mínimo de 0,17 e o valor de mercado da empresa caiu para os 744 milhões de reais. O tema é destaque nos dois maiores jornais dos EUA, onde estão alguns dos credores estrangeiros da empresa.
Em Abril de 2012, Dilma Rousseff teceu loas a Batista: “Eike é o nosso patrão, a nossa expectativa e sobretudo o orgulho do Brasil quando se trata de um empresário do sector privado”.
Hoje, a Presidente brasileira deve corar de vergonha por não ter percebido que o valor das empresas não está naquilo que declaram ter, mas no que demonstram, ignorando que a especulação é a “matéria-prima” mais transacionada na actualidade.


*Publicada no dia 1 de Novembro de 2013


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