A tradição nasceu em Nápoles, mergulha no tempo que se
seguiu à segunda Guerra Mundial e foi reavivada com a crise na zona Euro,
depois de décadas em desuso.
A ideia é simples. Um cliente entra num café, consome um
bolo e paga dois, três, ou quatro. O «caffè sospeso”, assim se chama o produto
que é pago a mais, destina-se a alguém que venha a seguir e que pergunte se há
alguma coisa suspensa.
Quem dá não quer mostrar que dá; quem recebe também tem
direito a anonimato neste exemplo perfeito de ajuda ao próximo, mais próprio da
ficção do que da realidade. Ou como diz o realizador de cinema napolitano
Luciano de Crescendo, que dedicou um livro a este hábito: “Quem dá não se exibe
e quem recebe não tem de mostrar gratidão”.
Comovido com o gesto dos napolitanos, que já se estendeu a
outras cidades de Itália, um canalizador de Cork, na Irlanda, resolveu criar
uma página no facebook a explicar e a incentivar o conceito e, no espaço de
dias, viu o seu apelo ter resultados.
Graças a John Sweeney, de 28 anos, a tradição napolitana tem
réplicas no Reino Unido. Vários estabelecimentos, incluindo algumas grandes
cadeias, como a Starbucks, descarregaram o logotipo do «Suspended Coffes, que
um amigo seu criou, e aderiram à iniciativa. Não custa nada e os benefícios são
enormes.
Pendurados ficaram vários desempregados que na semana do
Natal obrigaram ao encerramento de uma das lojas da cadeia de supermercados
portuguesa «Pingo Doce».
No dia 4 de Dezembro, um desempregado, que em Setembro
escreveu ao Presidente da República a dizer que ia deixar de pagar impostos por
não ter dinheiro, anunciou que ia ao Pingo Doce fazer compras, mas que não ia
pagar por não ter dinheiro.
A loja recebeu Nélson Arraiolos com compaixão e ofereceu-lhe
um cabaz de compras, que ele partilhou com outras pessoas, igualmente
necessitadas.
Animado pela iniciativa, um movimento anónimo convocou os
desempregados para uma acção nas vésperas de Natal, sob o lema «Dia 21 de
Dezembro, exija o seu cabaz», com o argumento de que “se oferecem a um,
oferecem a todos”.
Cinquenta pessoas concentraram-se, logo pela manhã, numa das
lojas do grupo em Lisboa. Como viram recusada a entrega dos cabazes, os
desempregados resolveram pedir o livro de reclamações. A polícia não teve outra
alternativa senão encerrar temporariamente o estabelecimento já que não havia
mãos suficientes para despachar tanta reclamação.
O grupo Jerónimo Martins, que há um ano teve de encerrar
várias lojas por avalanches de pessoas que lotaram os seus stocks, ao anunciar
que ia oferecer descontos de 50 por cento em compras superiores a 100 euros
(136 dólares), no dia do Trabalhador, devia ter aprendido a lição. Ao oferecer
um cabaz a quem não tem dinheiro abre um precedente. Porque, por estes dias, o
que mais há em Portugal são desempregados. E, ou continua a tradição, ou não a
cria.
Dar não custa nada, mas há quem tenha muito e nada consiga
dar. É por isso que o mundo está como está. Com ricos cada vez mais ricos,
porque não querem partilhar, e com pobres cada vez mais pobres, que não têm
como.
Felizmente, há quem fuja a esta regra e queira repartir, sem
ceder à tentação de apregoar a generosidade.
No largo de São Paulo, em Lisboa, um restaurante resolveu dar
de comer a quem tem fome. “Se tem fome passe por cá, entre as 16 e as 17, que
nós damos comida”, lê-se num quadro negro, pendurado à entrada da Taberna
Tosca. Sem alaridos, nem parangonas nos jornais.
Inaugurada em 2010, a casa prima pela informalidade e pelo
ambiente descontraído, apostando nos pratos portugueses para atrair a
clientela. Bem servidos, os clientes voltam; animados por este gesto, muitos
ficam motivados a visitar o estabelecimento, porque, desta forma, ajudam a
ajudar.
A comida na Taberna Tosca não é recusada a ninguém naquele
horário. Se já não houver refeições, há sempre pão para aviar uma sandes.
Qualquer sítio é um bom sítio para suspender um café, uma
refeição, um cabaz de compras… um pingo, um doce…
Publicada no dia 28 de Dezembro de 2013
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