Yacouba conseguiu travar o deserto. Hoje tenta travar a
destruição da floresta
1 - Foi com as palavras de Nelson Mandela que o
ex-Presidente de Moçambique Joaquim Chissano fechou uma carta aberta aos
líderes africanos, numa altura em que definem uma posição comum africana sobre
a nova agenda para o desenvolvimento que irá substituir os Objectivos do
Desenvolvimento do Milénio, cuja vigência termina em 2015.
“«Ser livre não é um mero rebentar das correntes de alguém»,
disse Nélson Mandela, «é viver de um modo que respeite e melhore a liberdade
dos outros». Sejamos fiéis às suas palavras imortais”, escreveu Chissano,
apelando aos líderes do continente para se “apoiarem nas lições do passado” e
“prestarem atenção às realidades presentes”.
Estas prioridades interligadas e as suas implicações nas
políticas representam, segundo o ex-Presidente moçambicano, “não só imperativos
dos direitos humanos, mas também investimentos inteligentes e rentáveis para desenvolver
sociedades mais equitativas, saudáveis, produtivas, prósperas e inclusivas e um
mundo mais sustentável”.
“Não podemos mais discriminar as pessoas com base na idade,
sexo, etnicidade, estatuto migrante, orientação sexual e identidade de género,
ou outra qualquer base, precisamos de libertar o potencial inteiro de todos”, defende
Chissano.
Embora, perceba a resistência a algumas destas ideias, o
ex-Chefe de Estado considera que não se pode ficar indiferente ao curso da
história, sobretudo do século passado, que é o “da expansão dos direitos e das
liberdades fundamentais”, instando os lideres africanos a ficarem ao “leme
desta causa” e a não refrearem. “Não neste momento crítico”, porque a agenda
que vão ajudar a forjar é, não só para o momento, mas “para as próximas
gerações e para o mundo”.
2 - No mundo da tecnologia, que todos os dias prega
rasteiras à ficção científica do século XX, um africano pobre de uma aldeia
remota do Burkina Faso conseguiu resolver uma crise, a que nem os cientistas e
organizações de desenvolvimento conseguiram dar resposta.
Usando técnicas de reflorestamento e conservação do solo
ancestrais, o velho Yacouba Sawadogo conseguiu travar a desertificação das
terras no norte do seu país.
Os métodos que usava eram tão estranhos que até os colegas
agricultores o ridicularizaram. Yacouba não se deixou desmoralizar e, graças à
ajuda de alguns – poucos - crentes, conseguiu vencer o deserto. Os críticos não
tiveram outra alternativa senão engolir em seco e tomar nota de uma receita
que, em apenas 20 anos, converteu uma área completamente estéril numa floresta
de 30 hectares de expansão, com mais de 60 espécies de árvores.
Munidos com enxadas, machados ou cabos de madeira com
pedaços de metal cravados, as brigadas de Yacouba cavaram milhões de buracos no
solo duro do Burkina Faso, posteriormente enchidos com adubo e esterco.
Sementes de árvores, milho ou sorgo foram plantados neste composto. Os buracos
encheram-se de água na estação das chuvas e graças à técnica Zai (antiga
prática agrícola africana) foram capazes de reter a humidade e os nutrientes
durante a época seca.
No espaço de poucos anos a terra foi invadida por um
manto vegetal frondoso, que fez regressar a população às terras abandonadas e, de
acordo com Chris Reji, especialista em gestão de recursos naturais do Centro de
Cooperação Internacional, "dezenas de milhares de hectares que eram
completamente improdutivos tornaram-se produtivos novamente".
Em 2010, o cineasta Mark Dodd fez um documentário
sobre «O homem que parou o deserto», a prática foi disseminada e alargada a
outras regiões e Yacouba tornou-se estrela de ambientalistas, percorrendo
vários países a explicar a sua revolução.
Hoje Yacouba enfrenta novo desafio. Tenta reunir 20
mil dólares para comprar a sua floresta. Um projecto de expansão recente
levou-lhe uma parcela importante, porque continuam a existir líderes que
confundem desenvolvimento e que precisam estar atentos ao apelo de Chissano.
*Publicada no dia 24 de Janeiro de 2014
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