Jonny no momento em que abraça Mike, após o reencontro
Jonny
Benjamin tentou pôr termo à vida. Farto de lutar contra uma doença, entre o
transtorno bipolar e a esquizofrenia, o jovem viu na ponte londrina de Waterloo
uma resposta para a sua queda no abismo. Dirigiu-se à estrutura sob o rio
Tamisa e posicionou-se para o salto. Um cidadão que passava aproximou-se dele e
conseguiu dissuadi-lo. Recuperá-lo para a vida.
Seis
anos depois, Benjamim quer reencontrar esse homem para lhe agradecer. “Se não
fosse ele, hoje provavelmente não estaria aqui”, afirmou ao jornal «Metro»,
para explicar a campanha «Finding Mike», que lançou no intuito de encontrar o
rasto do homem que o salvou.
O
gesto do desconhecido mudou completamente a perspectiva que Benjamin tinha da
vida. Por isso, nunca deixou de pensar em Mike. Por ele, envolveu-se em
campanhas de sensibilização sobre doenças mentais e, por ele, desdobra-se numa
busca que já circula em várias redes sociais.
Nélson
suicidou-se no sábado, dois dias depois de ter ficado em cuecas num intervalo
das aulas. Tinha 15 anos e muitas marcas infligidas por episódios de agressão e
insultos, dirigidos por colegas. O adolescente era alvo sistemático de
humilhação. No dia 9 de Janeiro, um grupo de alunos despiu-o, em pleno recreio,
espoletando risos que estilhaçaram a sua alma frágil de menino. Nélson apanhou
a roupa, vestiu-se e seguiu para a aula, sem dizer palavra: a vergonha
estampada no rosto e a dor cravada no corpo. Às 23h36 de sábado pôs termo aos
ataques, num pinheiro próximo de casa, em Adaúfe, no norte de Portugal. Deixou
duas cartas, uma dirigida aos pais e outra à namorada.
A Inspecção-Geral de Educação e Ciência mandou abrir um inquérito
para identificar eventuais situações de bullying (termo que caracteriza a
existência de actos de violência física ou psicológica, intencionais e
repetidos), na Escola Básica 2/3 de Palmeira; o director do Agrupamento de
Escolas Sá de Miranda, em Braga, onde está integrada a EB que o adolescente
frequentava, desmentiu a existência de bullying e referiu-se ao incidente do
dia 9 como “uma brincadeira”; uma docente da escola descreveu Nélson como “um
rapaz diferente, que não reagia às piadas que faziam sobre ele e que não se
interessava pelas aulas”, esquecendo-se que o silêncio e o alheamento são
refúgios de quem é sistematicamente humilhado; e o pároco de Adaúfe, que
baptizou o menino e que agora teve de o enterrar, lembrou que “alguns colegas
da escola alertaram para o facto de Nélson ser constantemente maltratado” por
um grupo de jovens. “Sei que foram dados sinais de alerta e que a escola
não os terá valorizado. Ele não se queixava, resignava-se, mas alguns colegas
revoltaram-se com a situação e falaram com professores e responsáveis da escola,
mas, pelos vistos, a escola achou que eram coisas de canalha e não ligou",
lamentou o sacerdote.
O que ainda ninguém conseguiu explicar à mãe de Nélson
é porque razão o seu menino morreu.
Gisberta
foi assassinada, em Fevereiro de 2006, no Porto, na sequência de agressões
infligidas por um grupo de adolescentes, com idades entre os 12 e os 16 anos.
Gisberta, ou melhor Gilberto Salce Júnior, era uma transsexual brasileira, de
46 anos, que vivia em Portugal há mais de duas décadas.
A
vida trocou-lhe o sexo e as voltas. A sua sorte virou madrasta e, para
sobreviver, prostituiu-se, entrando numa espiral de doença e dor, que a atirou
para o fundo de um fosso, onde foi morta. Durante dois dias, sofreu todo o tipo
de violência verbal e física. Foi mantida sob cárcere por um grupo de rapazes
até ao último suspiro, num caso que chocou Portugal e o Brasil e que acendeu um
debate sobre o que leva adolescentes a exerceram aquele tipo de violência.
O
músico e compositor portuense Pedro Abrunhosa compôs uma canção para lhe devolver
a sua dimensão humana. Maria Bethânia escolheu a «Balada de Gisberta» para
encerrar a primeira parte do espectáculo «Amor, Festa e Devoção», que subiu ao palco, em 2010,
mostrando como “a distância até ao fundo é tão pequena” e a queda também, se
não houver quem nos deite a mão, como fez Mike, na ponte de Waterloo. Até aos que
humilham e infligem dor gratuitamente.
Publicada
no dia 17 de Janeiro de 2014
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