Não se distinguiram pela beleza, nem pelo porte. Charlie
Chaplin e Philip Seymour Hofman foram grandes actores, figuras maiores do
cinema. Atingiram patamares apenas acessíveis a muito poucos e, por isso,
figuram como referências maiores da cinematografia mundial.
Chaplin com uma vasta obra, assente na linguagem universal
da mimica, e uma longa vida que lhe permitiu, com a sua personagem de vagabundo,
deixar um espólio incomparável. Seymour com um percurso interrompido cedo de
mais, que o impediu de demonstrar novas dimensões de um talento extraordinariamente
versátil.
A forma como o actor humaniza uma personagem doentia,
tornando-a alvo de compaixão e não de repulsa, chama a atenção da crítica e
dá-o como uma certeza, confirmada pelas inúmeras interpretações que se seguem,
sempre como actor secundário, até que em 2006 conquista o Oscar para melhor actor,
ao dar vida a Truman Capote, o excêntrico repórter norte-americano que se
celebrizou ao reconstituir o massacre de uma família, no estado rural do Kansas.
Um crime que horrorizou os EUA no final da década de 50, e que Capote descreve
minuciosamente, no livro «A sangue frio», depois de entrevistar familiares das
vítimas e dos assassinos, recolher documentos oficiais, ler cartas e diários e
assistir ao enforcamento dos criminosos. O livro, distinguido com o prémio
Pulitzer, é considerado a primeira obra do Novo Jornalismo.
Quando ganhou o Oscar, Seymour agradeceu à sua mãe, Marilyn Hoffman
Coonor, por ter criado quatro filhos sozinha e por tê-lo feito
apaixonar-se pela representação, uma paixão dela que se tornou dele também.
Também Chaplin foi buscar à mãe – cantora e actriz - o
talento para a representação. “Era o
mimo mais prodigioso que vi. Ela ficava horas à janela olhando a rua e
reproduzindo com suas mãos, seus olhos e a expressão de sua fisionomia tudo o
que se passava lá em baixo. E foi olhando-a e observando-a que, não somente
aprendi a traduzir as emoções com as minhas mãos e o meu rosto, mas também a
estudar o homem”.
Mas, ao contrário de Hofman, Charlie viu a mãe partir cedo, ao
ser internada num manicómio, depois de perder a voz por causa de um problema na
laringe. A busca pela felicidade, tal como a personagem de Hofman em Hapiness,
foi infrutífera. Casou quatro vezes e perdeu “quase todos os amigos que tinha”,
segundo Carlyle T. Robinson, seu secretário particular, de 1916 a 1931, por lhe
“faltar sinceridade”.
Hoffman, pelo contrário, era um homem meigo, descrito pelos
colegas como atencioso e preocupado, mas que voltou a enredar-se na dependência
das drogas, que quase o matou na juventude, transformando os últimos anos da
sua vida, num drama puro, bem disfarçado por um actor versátil que usava o
corpo como matéria-prima e a palavra como cinzel.
Chaplin não precisou de palavras para se consagrar, nem são
precisas muitas palavras para falar sobre a sua obra, que começou há 100 anos
com o filme «Fazer pela vida». De norte a sul não há ninguém que não conheça Charlot
e não reconheça os trejeitos do vagabundo, que levou o sorriso a milhões de
rostos.
Aos 46 anos, Hofman morreu como podia ter morrido uma das
múltiplas personagens marginais que interpretou: estendido no chão da casa de
banho, com uma seringa espetada no braço.
Chaplin morreu aos 88 anos, num dia de Natal, na Suíça, já
muito doente e sob os cuidados da quarta mulher, 37 anos mais nova do que ele.
Deixou um legado vasto de uma carreira dedicada ao cinema – como actor,
realizador, produtor, humorista, empresário, escritor, comediante, dançarino e
músico - mas também múltiplas polémicas: por se envolver com actrizes menores,
por ser um homem “mentalmente e moralmente fraco”, que o actor Douglas
Fairbanks Jr. descreveu como “egoísta acima do tolerável - uma figura majestosa
e frágil de um homem que poderia ter feito história se não se tivesse
preocupado tanto em fazê-la” e que, como aduziu Marlon Brando, “era perverso e
sádico”.
Dois homens tão grandes na arte que os celebrizou e tão
frágeis na vida. Como tantos outros.
*Publicada no dia 7 de Fevereiro de 2014
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