Um anúncio protagonizado pela actriz Scarlett Johansson
desencadeou forte polémica esta semana, nos EUA, por atentar contra valores
humanitários e também por beliscar os interesses de dois gigantes da indústria
dos refrigerantes.
Tudo corria bem se a empresa não promovesse a presença
israelita em território da Palestina. E ela própria não tivesse uma fábrica na
Cisjordânia, o que levou a «New York Magazine» a aplicar à campanha o rótulo
«Bolhas de sangue», associando-se à onda de críticas.
As primeiras reacções ao anúncio não foram motivadas pela
associação da actriz à empresa israelita. Deveram-se ao facto de a protagonista
de «O Amor é um lugar Estranho» ter importunado dois gigantes, ao afirmar no
final do anúncio “desculpa Coca-Cola e Pepsi”.
A cadeia Fox, do australiano Rupert Murdoch, ordenou a
expulsão do filme promocional dos seus canais e a organização do campeonato de
futebol americano baniu o anúncio da Super Bowl, que decorre este domingo, em
Nova Iorque, alegadamente por temer a reacção dos dois gigantes dos
refrigerantes.
Por mais que Scarlett venha invocar argumentos a seu favor, alegando
que não tenciona “ser a cara de nenhum movimento, conflito ou divergência
social ou política”, não pode esquecer o seu papel como modelo e embaixadora
mundial da Oxfam, que incompatibiliza a acção de salvar vidas com a ligação a
uma empresa que promove uma ocupação e colonização ilegais. Com grande
derramamento de sangue.
As figuras públicas, com grande capacidade de moldar as
decisões das pessoas, não podem descurar o que fazem e o que dizem porque isso
pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
Uma líder do partido Congresso Nacional Indiano no estado de
Maharashtra, oeste do país, afirmou, terça-feira, uma semana depois de 13
homens serem detidos por participar numa violação conjunta, que as mulheres
vítimas de violação podem ter atraído os ataques por causa das suas roupas e
comportamento.
Asha Mirje não se limitou a esta infeliz declaração. Questionou
por que razão a estudante, de 23 anos, que foi violada por um grupo de homens
dentro de um autocarro em Nova Deli, em 2012, vindo a falecer na sequência dos
graves ferimentos, estava na rua àquela hora da noite.
Ou seja, a dirigente do partido político indiano mais antigo,
não só culpou as vítimas de um crime hediondo, que atenta contra a dignidade de
quem o comete e de quem o sofre, como lançou um sinal de incentivo aos
agressores.
Fica, no entanto, por explicar que culpa tem uma criança
iraniana, de quatro anos, que foi violada na segunda-feira por um homem, de 32
anos, quando viajava com a mãe no Estado turístico de Goa.
E qual foi a responsabilidade de uma adolescente, de 16
anos, que no dia 26 de Dezembro foi violada e que, um dia depois, voltou a ser
violentada por um grupo de seis homens, quando regressava a casa, após
apresentar queixa numa esquadra de Madhyagram, no norte de Calcutá.
A adolescente não devia, segundo Asha Mirje, ter apresentado
queixa e, assim, furtava-se a uma violação colectiva, após a qual os violadores
atearam fogo ao seu corpo, acabando por morrer a caminho do hospital?
Enquanto houver quem, ilegitimamente, aponte o dedo às
vítimas, os agressores continuam a ter caminho aberto para perpetuarem um crime
que devia envergonhar a Humanidade.
A vergonha voltou a cair esta semana sobre organizações
cristãs, depois de ter sido revelado que crianças aos cuidados de uma
instituição ligada ao «Exército de Salvação», na Austrália foram “alugadas” a
pedófilos.
As denúncias recaem sobre o lar de Bexley, nos subúrbios de
Sidney, onde a polícia investiga supostos abusos a menores desde 1990, no
âmbito de uma comissão que analisa a gestão do «Exército de Salvação» em quatro
dos seus centros entre 1996 e 1977.
O responsável do lar já tinha sido desculpado, em 1997, de
acusações de sodomia, agressão comum e ataque indecente, 11 anos antes da sua
morte. As acusações não ficaram enterradas então e surgem agora novas
informações que envolvem outros trabalhadores numa alegada rede de pedofilia no
abrigo.
Há pessoas que, claramente, têm gás a mais na cabeça e,
quando falam e agem, diluem na atmosfera uma parte significativa dos valores
que deviam reger o mundo.
*Publicada no dia 31 de Janeiro de 2014
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