Uma artista japonesa, de 42 anos, resolveu quebrar os tabus
e fez um molde da sua vagina, que reproduziu em diversos objectos, desde a
recriação de paisagens em miniatura até à construção de um caiaque.
Para pôr em prática o projecto, a que deu o nome de «Pussy
Boat», Megumi Igarashi recorreu ao crowfunding (financiamento colectivo) e
gravou um vídeo, que colocou na internet, a explicar as suas ideias.
As reacções não tardaram. Em pouco tempo, a artista angariou
125 doadores, recolhendo uma quantia próxima de um milhão de ienes (perto de 10
mil dólares), mas viu-se também privada da liberdade. A polícia bateu-lhe à
porta, no sábado, e deteve-a por infracção às leis sobre a obscenidade do
Japão.
Igarashi tinha, com este projecto artístico, o propósito de
quebrar o tabu e suscitar a discussão para que a imagem da vagina se torne
“mais natural” e deixe de ser “considerada obscena”, ao contrário da imagem do
órgão sexual masculino, que, segundo ela, “já faz parte da cultura pop”.
A artista plástica foi bem-sucedida no primeiro objectivo. Acendeu
o debate sobre aquilo que é considerado obsceno e desencadeou uma onda de
solidariedade, traduzida numa petição pela sua libertação na internet, que em
poucos dias foi subscrita por 20 mil pessoas. Mas ainda está longe de quebrar o
tabu e tornar normal aquilo que é normal.
Igarashi arrisca-se a ser condenada a dois anos de prisão ou
a pagar uma multa que pode ir até aos 2,5 milhões de ienes (mais de 24 mil
dólares), mesmo que proclame que a vagina é uma parte do seu corpo, como os
braços, ou as pernas.
O pudor da polícia japonesa, que espelha um sentimento
dominante entre a sociedade nipónica, contrasta com a falta de pudor com que o
governo japonês trata o assunto das “mulheres de conforto” da II Guerra Mundial.
Apesar de milhares de mulheres asiáticas, sobretudo coreanas
e chinesas, terem sido usadas como escravas sexuais pelo exército japonês, o
actual governo encara de forma dúbia o assunto e desvaloriza aquela que é uma
pecha da sua história.
“O recrutamento forçado de mulheres de conforto foi um crime
atroz e desumano cometido pelo regime imperialista nipónico contra vítimas de
países asiáticos. Esperamos que o lado japonês possa lidar correctamente com as
questões deixadas pela história”, afirmou, recentemente, o porta-voz do
Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês, Hua Chunying, depois de o Japão
pôr em causa a «declaração de Kono».
Em 1993, o Japão admitiu, pela primeira vez, a sua
responsabilidade com a declaração que tem o nome do secretário-geral do governo
da época, e apresentou “desculpas” e “remorsos”.
Mas, este ano, o porta-voz do governo nipónico suscitou uma
onda de indignação, ao afirmar que Tóquio ia estudar os testemunhos de coreanas
que estiveram na base das desculpas apresentadas em 1993, adiantando que o
governo do conservador Shinzo Abe podia voltar atrás e rever a posição oficial
sobre as “mulheres de conforto”.
A China reagiu com violência aos desvios do primeiro-ministro
Abe e exortou o Japão a respeitar a «declaração de Kono». Numa conferência de
imprensa, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês deixou
claro que a nova investigação nipónica não aborda a história e tenta diluir o
seu crime que vitimou dezenas de milhares de mulheres asiáticas.
Ao mesmo tempo que o Japão fez esta inflexão, o Papa
Francisco, que em Agosto visita a Coreia do Sul, fez questão de colocar-se ao
lado das vítimas. Uma fonte do comité da organização da visita papal anunciou
que o sumo pontífice decidiu convidar as mulheres coreanas que foram usadas
como escravas sexuais a assistirem a uma missa que o Papa vai celebrar, em
Agosto, em Seul.
O gesto do Vaticano é claro quando à necessidade de uma
reparação que ajude a fechar a ferida aberta em tantas mulheres, subjugadas à
condição de objecto, mesmo que o exército japonês tenha usado um eufemismo para
disfarçar a escravidão sexual.
As mulheres de conforto foram, como refere a China, um crime
contra a Humanidade. O crime que Megumi Igarashi cometeu ao divulgar imagens da
sua vagina não passa de fogo de artificio. A sua detenção é, essa sim, uma
obscenidade.
*Publicada no dia 18 de Julho de 2014
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