Foto: Robert Fisk, The Independent
O telefone toca. Do lado de lá da linha está uma jornalista
de Buenos Aires. “Pode ligar-me mais tarde? Acabam de explodir duas bombas em
frente a nossa casa e parece-me prudente ir embora”, pede María de la Santa
Faz, desculpando-se educadamente por não poder responder ao apelo de quem
telefona.
Apesar do ribombar das bombas lançadas sobre a Faixa de
Gaza, a freira Maria não perde a compostura nem a noção de cordialidade que
deve dispensar a quem telefona. “Quando ligar de novo, procure pela irmã Maria
ou a irmã argentina, sou a única aqui”, diz.
Mais tarde, quando a repórter do jornal La Nácion, Julieta
Nassau, liga de novo, encontra as respostas que procura junto de uma
compatriota sua que, do outro lado do planeta, espalha a palavra de Deus. E,
sobretudo, conforta quem vive no meio da carência imposta por um embargo,
criminoso, que Israel mantém há anos para impedir a passagem de armas, mas que
impede também o fornecimento de bens alimentares e médicos.
“Aquela era a segunda bomba. E depois ainda houve uma
terceira. Foi impressionante, porque foi em frente ao portão da Igreja
Católica, onde fica a nossa casa. Três bombas sobre a mesma casa, para
destruí-la bem”, explicou a freira, após regressar.
Mais de 700 palestinianos morreram, em 12 dias de investida aérea
e terrestre (**). Do lado de Israel, há pouco mais de 30 vítimas mortais, uma delas
civil, as restantes militares. A contabilidade das baixas de um lado e do lado
ilustra bem a desproporção de meios e a vacuidade do discurso do
primeiro-ministro israelita, Benjamim Netanyahu, que responsabiliza o Hamas
pelo uso de escudos humanos.
A freira Maria e o padre Jorge Hernández, ambos argentinos
da congregação religiosa do Verbo Encarnado, não são escudos humanos ao serviço
de uma organização islâmica. São religiosos católicos ao serviço de uma
população carenciada e martirizada por anos de conflito, causado pela
contestação a uma ocupação - legítima segundo o direito internacional, mas
ilegítima pela segregação e desapropriação.
Apesar do estrondo das bombas e do tremor do solo, como
descreve o jornal La Nácion, a freira e o sacerdote mantêm a calma, porque é
esse o seu papel. Transmitir, ainda que de forma artificial, um pouco de paz
aos 1.300 cristãos de Gaza, 10% católicos e os restantes da Igreja Ortodoxa.
A religiosa chegou a Gaza em Janeiro. Viveu nestes seis
meses rodeada de crianças, perto de 150 que frequentavam as actividades da
igreja e a escola. Passavam quatro dias da semana no prédio da Igreja Católica,
onde funciona um colégio, uma igreja e um pequeno cemitério. Ainda um convento –
onde vivem Maria, uma freira brasileira e outra egípcia –, uma casa habitada por
dois sacerdotes e uma residência para as Irmãs de Madre Teresa, que abriga seis
religiosas e 37 crianças portadoras de deficiência.
Nas primeiras semanas de bombardeamentos, as crianças ainda foram
à congregação. Depois deixaram de ir. Com medo, os pais proibiram-nas de sair
de casa. E a Paróquia Sagrada Família ficou vazia, sem o riso das crianças e a
presença dos paroquianos.
Na quinta-feira da semana passada, a população aproveitou a
trégua humanitária de duas horas para se abastecer de produtos básicos. “Alguns
paroquianos pediram para que celebrássemos a missa”, escreveu o padre Jorge,
pároco de Gaza, desde 2009, na página do Instituto do Verbo Encarnado no Médio
Oriente. Pouco depois, chegou uma mensagem de conforto do Papa Francisco, com
palavras de encorajamento e oração.
O testemunho da irmã Maria e do padre José desmentem o
discurso de Netanyahu. Por mais que o governo israelita insista em fazer-se de
vítima, há vítimas de um lado e de outro. E é fácil perceber onde estão em
maior número.
*Publicada no dia 25 de Julho de 2014
**As vítimas mortais do lado palestiniano, já somam mais de 1.100
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