quarta-feira, 4 de março de 2015

Distracções (crónica publicada no Novo Jornal*)


Permanecer sentado, durante algum tempo, sem nada fazer, não é uma perda de tempo, como nos habituámos a ouvir da boca das nossas mães, sempre que afundávamos o corpo no sofá. É precisamente o contrário, segundo o vice-presidente da Associação Espanhola de Psiquiatria Privada.
José António López Rodríguez prescreve mesmo o hábito de sentar no sofá como uma receita para eliminar o stress e a fadiga. Essa pausa, aliada ao conforto, fomenta a criatividade e aumenta os níveis de produtividade, defende o psiquiatra, argumentando que não fazer nada é uma “válvula de escape” que facilita a entrada no nosso interior, deixando a nossa mente livre para sonhar acordada e dar asas à imaginação.
Numa altura em que no Ocidente os mitos da produtividade e da competitividade mantêm as pessoas ocupadas quase todo o dia, deixando muito pouco tempo para a família e para o descanso, a teoria da Associação Espanhola de Psiquiatria Privada é uma autêntica revolução. Mas é também uma necessidade para muitos dos que precisam de descanso, como pão para a boca, e que pode ajudar a resolver alguns dos problemas que afectam a sociedade e que tem na violência inusitada uma das formas de expressão.
Por estarem constantemente ocupadas, as pessoas deixaram de ter tempo para pensar e perderam o conhecimento de si próprios. “Não estamos habituados a aprofundar o nosso interior”, salienta López Rodríguez. E entramos num ciclo vicioso, que não nos permite estar tranquilos e relaxados para depois voltarmos à actividade.
A teoria que o psiquiatra espanhol propõe é aplicada por alguns grandes grupos empresariais norte-americanos - com resultados óbvios na sua produção e facturação - que oferecem aos funcionários uma gama alargada de serviços de relaxamento, promovendo também a interacção entre colegas e momentos de lazer dentro do local de trabalho. Mas para isso é preciso ter vistas largas e mente aberta para ver mais longe do que aquilo que a vista alcança.
É óbvio que o conselho não se aplica a quem já dispõe de muito tempo livre, porque, nestes casos, nem sempre as energias são canalizadas na direcção certa. Que o diga a actriz norte-americana Lupita Nyong’o, com raízes mexicanas e quenianas, que este fim-de-semana surgiu na cerimónia dos Óscares com um deslumbrante vestido com seis mil pérolas, assinado por Calvin Klein.
Lupita, que já teve direito ao primeiro lugar da lista das actrizes mais bonitas do mundo, ofuscou no tapete vermelho e saltou automaticamente para o ranking das mais bem vestidas da noite. Não espanta. Com seis mil pérolas a desenharem as formas do seu corpo, a jovem actriz tornou-se monumento da cobiça alheia, para além de uma homenagem ao labor das costureiras que dão forma à visão dos criadores, no caso o estilista Calvin Klein, mais conhecido pela roupa interior masculina e pelos perfumes.
Nesse aspecto, Nyong’o teve de competir com outro nome do universo estrelar. Lady Gaga surgiu no palco do Teatro Dolby (Teatro Kodak antes da falência da empresa de películas que durante décadas serviu Hollywood) com um espampanante vestido de cristal branco, que demorou 1.600 horas a ser feito.
Lady Gaga não disfarçou a vaidade e o orgulho e na sua conta da rede social Instagram aludiu à obra de arte com que tapou o corpo, num agradecimento aos que lhe deram forma: “Azzedine Alaia, obrigado por esta magnífica obra que envolveu 1.600 horas de bordados e 25 pessoas em Paris. Ele (estilista) nunca havia feito um vestido para os Óscares. Que honra. As luvas foram de Crimson. As flores de orquídea pintadas à mão no meu cabelo e diamantes assinados por Lorraine Schwartz”.
Lupita ficou-se pelo desfile na passerelle, deixando os pormenores para o estilista brasileiro que desenhou o vestido. “Nós criamos uma série de texturas com a aplicação de pérolas de tamanhos diferentes. Procurámos várias pérolas e no fim decidimos que as naturais eram as mais belas”, explicou Francisco Costa.
O estilista brasileiro compensou o tempo gasto em mão-de-obra no vestido de cristal com pérolas e criou uma peça da alta-costura no valor de 150 mil dólares. Pena é que Lupita não tenha conseguido devolver a joia a Calvin Klein. O vestido desapareceu do hotel onde a actriz passou a noite depois da cerimónia dos Óscares, deixando a polícia entregue à tarefa de passar em revista as filmagens das câmaras de vigilância para ver se o ladrão deixou rasto.
Ninguém pode dizer que o ladrão leva uma vida de descanso. E também não anda distraído.


*Publicada no dia 27 de Fevereiro de 2015

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