“Depois da reunificação alemã, diz-se, algumas pessoas nos
países vizinhos ficaram à espera de ouvir o som dos exércitos marchando. Teria
sido melhor se tivessem prestado atenção ao suave som de quem anda em bicos de
pés”. Com esta frase retirada do manual de «Estudos Europeus», da Universidade
Aberta, Maria Laura Bettencourt Pires resume aquilo que é o projecto alemão de
conquista da Europa.
O facto de ter mantido um papel secundário deu à Alemanha
“mais espaço para se concentrar na actividade económica”. E, à medida que os
estados da Europa Ocidental foram reforçando os laços que os mantêm unidos numa
comunidade supranacional, cedendo partes da sua soberania, a Alemanha foi
consolidando a sua posição de estado económico forte, capaz de dar cartas e
impor as regras do jogo, sem suscitar o surgimento de alianças antigermânicas.
“Quanto menos significarem as nações-estado na futura
Europa, melhor para a Alemanha”, resumiu o historiador Michael Stürmer, em 1990, um ano
depois da queda do Muro de Berlim e dois anos antes da assinatura do Tratado de
Maastricht, que preparou o grande alargamento da União Europeia. O que leva Laura
Bettencourt a concluir que, “no pensamento alemão, os projectos para as nações
e a Europa podem ser realizados onde as estruturas políticas são fracas ou
ausentes”.
Se dúvidas houvesse sobre esta análise elas foram desfeitas
esta semana. Depois de uma intensa ronda de negociações dos ministros das
Finanças da União Europeia, que constituem o Eurogrupo, parecia que a Grécia
não tinha alternativa à capitulação e à sujeição a um novo programa de ajuda,
que implica a renovação do seu compromisso com as reformas, que, no espaço de
três anos, aumentaram a percentagem de gregos no limiar da pobreza, que se
situa mais de 10 pontos acima da média europeia.
A Grécia reagiu e apresentou uma contraproposta no sentido
da extensão do contrato de empréstimo, com condições diferentes das actuais, no
âmbito do programa de resgate, que permitisse ao país e aos gregos respirar um
pouco.
Um porta-voz do executivo comunitário admitiu de imediato que
o pedido de extensão enviado pela Grécia abria caminho a “um compromisso
razoável”. Mas a Alemanha apressou-se a rejeitar a proposta grega, com o
porta-voz do Ministério das Finanças alemão, Martin Jäger, a dizer, num breve
comunicado, que a “carta proveniente de Atenas não é uma proposta substancial
para uma solução”.
Isto no
mesmo dia em que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker,
admitiu que a troika “pecou contra a dignidade” dos gregos, dos portugueses e
dos irlandeses e defendeu que é preciso rever o funcionamento deste trio de
instituições.
Falando
perante o Comité Económico e Social, o ex-primeiro-ministro do Luxemburgo e
presidente do Eurogrupo entre 2005 e 2013 foi mais longe. Admitiu que é preciso
aprender as lições do passado e “não repetir os mesmos erros”.
Juncker
criticou o anterior presidente da Comissão, o português José Manuel Durão
Barroso, por nunca falar da Grécia, justificando essa omissão com uma confiança
cega no que dizia a troika, formada por técnicos do Fundo Monetário
Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeia. E hoje até
compreende as queixas de Atenas, de que os seus interlocutores falavam sempre
com funcionários da troika e não com políticos.
“Não
critico os funcionários, mas não se põe um alto funcionário a falar com um
primeiro-ministro ou com um ministro. É preciso colocar em frente a eles
comissários ou ministros, sob a autoridade do presidente do Eurogrupo”, admitiu
agora Jean-Claude Juncker.
Na
véspera da reunião do Eurogrupo, que vai analisar a proposta grega, as
declarações de Juncker não podem deixar de ser vistas como um recado e uma
orientação sobre o caminho que a União Europeia deve tomar para servir os
interesses dos seus estados-membros e não apenas os da Alemanha. A não ser que
se confunda o projecto de integração europeia com um projecto imperial. Nesse caso,
a Alemanha fez o seu caminho da melhor forma e sem recurso às armas. Mas, como se
vê, deixou muitas vítimas pelo caminho.
*Publicada no dia 20 de Fevereiro de 2015
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