sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Regresso do Império? (crónica publicada no Novo Jornal)

“Depois da reunificação alemã, diz-se, algumas pessoas nos países vizinhos ficaram à espera de ouvir o som dos exércitos marchando. Teria sido melhor se tivessem prestado atenção ao suave som de quem anda em bicos de pés”. Com esta frase retirada do manual de «Estudos Europeus», da Universidade Aberta, Maria Laura Bettencourt Pires resume aquilo que é o projecto alemão de conquista da Europa.
No período pós-guerra, a Alemanha foi mantida afastada da política de poder. Mas a cortina de ferro que se abateu sobre o leste da Europa reforçou a necessidade de estabelecimento de um eixo franco-alemão que servisse de contrapeso, num cenário de guerra fria entre Washington e Moscovo.
O facto de ter mantido um papel secundário deu à Alemanha “mais espaço para se concentrar na actividade económica”. E, à medida que os estados da Europa Ocidental foram reforçando os laços que os mantêm unidos numa comunidade supranacional, cedendo partes da sua soberania, a Alemanha foi consolidando a sua posição de estado económico forte, capaz de dar cartas e impor as regras do jogo, sem suscitar o surgimento de alianças antigermânicas.
“Quanto menos significarem as nações-estado na futura Europa, melhor para a Alemanha”, resumiu o historiador Michael Stürmer, em 1990, um ano depois da queda do Muro de Berlim e dois anos antes da assinatura do Tratado de Maastricht, que preparou o grande alargamento da União Europeia. O que leva Laura Bettencourt a concluir que, “no pensamento alemão, os projectos para as nações e a Europa podem ser realizados onde as estruturas políticas são fracas ou ausentes”.
Se dúvidas houvesse sobre esta análise elas foram desfeitas esta semana. Depois de uma intensa ronda de negociações dos ministros das Finanças da União Europeia, que constituem o Eurogrupo, parecia que a Grécia não tinha alternativa à capitulação e à sujeição a um novo programa de ajuda, que implica a renovação do seu compromisso com as reformas, que, no espaço de três anos, aumentaram a percentagem de gregos no limiar da pobreza, que se situa mais de 10 pontos acima da média europeia.
A Grécia reagiu e apresentou uma contraproposta no sentido da extensão do contrato de empréstimo, com condições diferentes das actuais, no âmbito do programa de resgate, que permitisse ao país e aos gregos respirar um pouco.
Um porta-voz do executivo comunitário admitiu de imediato que o pedido de extensão enviado pela Grécia abria caminho a “um compromisso razoável”. Mas a Alemanha apressou-se a rejeitar a proposta grega, com o porta-voz do Ministério das Finanças alemão, Martin Jäger, a dizer, num breve comunicado, que a “carta proveniente de Atenas não é uma proposta substancial para uma solução”.
Isto no mesmo dia em que o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, admitiu que a troika “pecou contra a dignidade” dos gregos, dos portugueses e dos irlandeses e defendeu que é preciso rever o funcionamento deste trio de instituições.
Falando perante o Comité Económico e Social, o ex-primeiro-ministro do Luxemburgo e presidente do Eurogrupo entre 2005 e 2013 foi mais longe. Admitiu que é preciso aprender as lições do passado e “não repetir os mesmos erros”.
Juncker criticou o anterior presidente da Comissão, o português José Manuel Durão Barroso, por nunca falar da Grécia, justificando essa omissão com uma confiança cega no que dizia a troika, formada por técnicos do Fundo Monetário Internacional, da Comissão Europeia e do Banco Central Europeia. E hoje até compreende as queixas de Atenas, de que os seus interlocutores falavam sempre com funcionários da troika e não com políticos.
“Não critico os funcionários, mas não se põe um alto funcionário a falar com um primeiro-ministro ou com um ministro. É preciso colocar em frente a eles comissários ou ministros, sob a autoridade do presidente do Eurogrupo”, admitiu agora Jean-Claude Juncker.
Na véspera da reunião do Eurogrupo, que vai analisar a proposta grega, as declarações de Juncker não podem deixar de ser vistas como um recado e uma orientação sobre o caminho que a União Europeia deve tomar para servir os interesses dos seus estados-membros e não apenas os da Alemanha. A não ser que se confunda o projecto de integração europeia com um projecto imperial. Nesse caso, a Alemanha fez o seu caminho da melhor forma e sem recurso às armas. Mas, como se vê, deixou muitas vítimas pelo caminho.

*Publicada no dia 20 de Fevereiro de 2015

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