Em 1616, o Papa Urbano VIII recebeu Galileu Galilei e
ofereceu-lhe honrarias, dinheiro e recomendações para que o físico e matemático
italiano aprofundasse os estudos sobre a teoria heliocêntrica, desenvolvida um
século antes por Copérnico, na expectativa de a contrariar, repondo, assim a
teoria teocêntrica ou geocêntrica no seu devido lugar.
Galileu assumiu a tarefa, em nome da ciência e, em 1632,
publicou o livro «Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo», onde
defendia o sistema heliocêntrico de Copérnico, em que o sol surge no centro do
universo com a terra a girar em torno dele.
Como a obra não correspondia à sua expectativa, o Papa
convocou Galileu para ser julgado por heresia, no Tribunal da Santa Inquisição.
O físico foi condenado a abjurar (negar) publicamente as suas ideias e a
recolher à prisão. Os seus livros foram incluídos no Index (lista negra da
Inquisição) para serem queimados e a sua divulgação foi impedida. Galileu acabou
por ver a pena de prisão comutada a confinamento e, reza a lenda, à saída do
tribunal, soltou a célebre frase: “Contudo, ela se move”.
Quatro séculos depois, em 2000, o Papa João Paulo II emitiu
um pedido formal de desculpas por todos os erros cometidos pela Igreja Católica
nos últimos dois mil anos, incluindo o julgamento de Galileu. No perdão está
incluída a condenação à morte do teólogo e filósofo Giordano Bruno, por
defender erros teológicos, nos quais se incluía o teocentrismo. Giordano foi
queimado vivo em 1600.
No dia 25 de Janeiro, os gregos elegeram um governo que
contraria o discurso dominante da austeridade imposto pela crise e pela
ditadura do mercado, que levou à asfixia vários países da zona Euro, deixando
sem pão para a boca milhares de famílias.
“Mais do que um grito de protesto contra a austeridade, mais
do que uma revolução nacional, mais do que um manguito aos credores, a eleição
do Syriza na Grécia por uma confortável maioria foi, para todos os europeus,
uma lufada de ar fresco. Porque, até agora, a União Europeia não tem poupado
esforços para nos fazer crer que não há alternativas ao status quo, que, se não
estamos bem assim, poderíamos certamente estar pior, e que, afinal, a troika é
nossa amiga”, escreve Patrícia Veiga.
E agora? Interroga a professora na Universidade de
Georgetown, nos EUA, fazendo-se porta-voz de muitos eleitores, não só gregos, como
noutros países europeus. “Foi precisamente através desta singela interrogação
que a política regressou à Europa”, responde.
A política é isso mesmo. A possibilidade de discutir
alternativas de construção, mudar de paradigma, reorganizar a economia,
promover a redistribuição do dinheiro, acabar com os fanatismos que nos fazem
pensar que é uma fatalidade 1% da população mundial deter metade da riqueza
mundial, quando 99% repartem migalhas que não chegam sequer a todas as mesas.
O novo governo de Alexis Tsipras tem uma difícil tarefa pela
frente e, assim que tomou posse, não hesitou em enfrentá-la quando outros
deixaram cair as promessas que os levaram ao poder. Qualquer que seja o
resultado, uma coisa é certa. Nada volta a ser como dantes. A Grécia, berço da
civilização ocidental, não nos deu apenas a democracia e a filosofia. Voltou a
pôr a política no devido lugar e destruiu o fanatismo que mina as políticas
económicas actuais, tal como a Igreja se redimiu por ter condenado, sem
fundamento, quem defendeu uma verdade diferente.
É contra todo o tipo de fanatismos que as sociedades devem
lutar, porque são eles que levam as pessoas a ultrapassar os limites e a
cometer os crimes mais atrozes.
O holocausto foi obra de fanáticos. A questão que muitos
colocam 70 anos depois da libertação do campo de concentração de Auschwitz, é:
“Como foi possível?”. O escritor israelita Amos Oz, co-fundador do movimento
pacifista Paz Agora, tem uma resposta simples para a questão: “A semente do
fanatismo brota ao adoptar-se uma atitude de superioridade moral que impeça a
obtenção de consensos”. Portanto, o perigo pode vir de onde menos se espera. O
fanatismo “é mais contagioso do que qualquer vírus” e, por isso, Hitler
contaminou um país inteiro. Com as suas doutrinas raciais, o nazismo só produziu
morte e devastação. Deixou um legado que não pode ser esquecido. E um alerta:
os fanatismos são a verdadeira raiz do mal.
*Publicada no dia 30 de Janeiro de 2015
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