A liberdade de imprensa sofreu um “declínio drástico” em
2014, como revela o relatório anual da organização Repórteres sem Fronteiras.
No Índice da Liberdade de Imprensa de 2015, a organização
liderada por Christophe Deloire identifica um total de 3.719 violações à
liberdade de informação em 180 países, mais 8% de casos do que em 2013, 66
jornalistas mortos e um número recorde de 40 sequestros.
Os números não desmentem o quadro descrito pela organização e
ajudam a perceber o perigo que os jornalistas enfrentam actualmente e que teve
um exemplo sem precedentes no ataque à redacção do jornal Charlie Hebdo, há um
mês, que vitimou 12 pessoas.
A situação é particularmente grave em todos os territórios
envolvidos em conflitos, do Médio Oriente à Ucrânia, onde foi promovida uma
“assustadora guerra de informação”, em que os jornalistas foram identificados
como alvos a abater, capturar ou pressionar.
Segundo o relatório, o Estado Islâmico, activo na Síria e no
Iraque, o Boko Haram, no norte da Nigéria e Camarões, e organizações criminosas
em Itália e na América Latina usaram o “medo e represálias para silenciar
jornalistas e bloggers que se atrevem a investigar ou se recusam a agir como pé
de microfone”. A Síria tornou-se território proibido para os jornalistas e o
local mais perigoso do mundo para o exercício da profissão.
A criminalização da blasfémia é outra face do problema. Ela
coloca “em perigo a liberdade de informação em metade dos países do mundo”,
segundo os Repórteres sem Fronteiras, que alertam para o facto de extremistas
religiosos perseguirem jornalistas ou bloggers que acreditam não respeitarem
suficientemente o seu deus ou profeta.
Isto torna cada vez mais evidente a importância de
dessacralizar temas e torná-los alvo de escrutínio permanente, para que o
slogan universalmente vestido em Janeiro deste ano - «Eu sou Charlie» -, após o
ataque em França, não se esgote naquele momento e continue a ressoar. A bem do
direito de informar e ser informado, suporte dos estados democráticos e de
direito.
Informar, usando o humor como forma de abrir os olhos de
quem é inundado diariamente com propaganda travestida de informação e com
manipulação maquilhada de verdade, é o que faz há 16 anos Jon Stewart, no Daily
Show.
Apesar de conduzir um programa satírico, do canal de
televisão Comedy Central, Stewart tornou-se o apresentador mais credível dos
EUA, como revela um inquérito realizado em 2009. A forma como aborda os temas,
despindo-os da manipulação a que são sujeitos por parte dos canais de
informação, como a FOX News, do império Murdoch, que se tornou um dos seus
alvos privilegiados, deu-lhe credibilidade e consolidou o seu espaço no prime
time (horário nobre). Por isso, o anúncio esta semana de que vai deixar o Daily
Show foi notícia em todo o mundo, com os jornais a dedicarem-lhe páginas
inteiras.
Desde que assumiu o Daily Show, em 1999, três anos depois de
ter sido criado, Jon Stewart tornou-se o rosto e a alma do programa. Sob a sua
direcção, o Daily Show conquistou 10 Emmy’s e foi considerado pela revista Time
como um dos melhores programas de sempre.
No Daily Show não há vacas sagradas, nem temas tabu. Stewart
desnuda a realidade perante os olhos dos telespectadores, lança questões e põe
uma equipa de “repórteres”, de superior calibre, no terreno a escarnar os
factos, de modo a torná-los tão perceptíveis quanto possível a qualquer mortal.
O humor, usado na confrontação dos factos noticiados com a
realidade, é o ingrediente principal do Daily Show. Jon Stewart não tem
pretensões a fazer uma abordagem séria - como reclamam muitos programas de
informação, que distorcem a realidade até ao limite das conveniências
partidárias ou das ambições pessoais dos seus protagonistas - mas o que acaba
por fazer é um relato mais próximo da realidade do que aquele que é oferecido
pelos canais de informação. Isso mesmo ficou demonstrado esta semana, quando
foi conhecida a notícia da suspensão do apresentador Brian Williamns, da NBC, por
ter exagerado e inventado factos nos relatos que fez sobre a sua passagem pelo
Iraque.
A rir, Jon Stewart diz as coisas de forma séria. Em momentos
que exigem a verdade é a sua voz que os americanos querem ouvir. A sua ausência
dos écrans é uma enorme perda.
*Publicada no dia 13 de Fevereiro de 2015
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