segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Heróis desamparados (crónica publicada no Novo Jornal)

Dez anos depois, a homenagem aos heróis do 11 de Setembro definha por um sentimento de injustiça provocado pelo desamparo dos que contraíram doenças ao tentar salvar vidas e resgatar cadáveres no meio dos escombros do Worl Trade Center (WTC).
Nos meses que se seguiram à tragédia não faltaram palavras de agradecimento e gestos de reverência para com os que trabalharam no ground zero. Mas, à medida que as doenças começaram a eclodir nos socorristas, foi-se tornando evidente o rejeitar de responsabilidades.
No final de Julho deste ano, em que se comemora uma década sobre a tragédia, o governo dos EUA publicou um estudo do Instituto para a Segurança e Saúde Ocupacional, que descarta a ligação entre os ataques às Torres Gémeas e o cancro, o que motivou a indignação de associações de vítimas do 11 de Setembro.
“Não é preciso ser médico ou especialista para perceber que existe uma relação directa entre os casos de cancro e os fumos e cinzas do 11 de Setembro”, afirmou John Feal, presidente da ‘FealGood’, uma fundação que defende os direitos dos socorristas que intervieram nos resgates.
Só durante este ano, o responsável da ‘FealGood’ assistiu ao funeral de 53 pessoas que morreram vítimas de doenças contraídas depois do 11 de Setembro.
Um novo estudo mais recente, publicado no dia 1 de Setembro na revista científica «The Lancet», contradiz a análise do governo norte-americano, ao concluir que os bombeiros que responderam às chamadas de emergência depois dos atentados do 11 de Setembro, em Nova Iorque, sofrem, desde então, mais de cancro.
Segundo a investigação, a cargo do Departamento de Bombeiros de Nova Iorque, os casos de leucemia aumentaram entre os bombeiros que trabalharam na 'zona zero'. Antes do ataque terrorista a incidência de cancro nos bombeiros “era significativamente menor” em relação ao resto da população. Agora é maior.
O chefe dos serviços médicos dos bombeiros de Nova Iorque, David Prezant, examinou, durante os últimos sete anos, o historial clínico de 11 mil bombeiros e oficiais de corporação que trabalharam durante o 11 de Setembro e comparou os dados com os que haviam sido obtidos com os mesmos funcionários antes dos atentados.
Ao não estabelecer ligação entre o aumento de doenças, o governo norte-americano livra-se dos encargos com despesas de saúde e indemnização, mas não se livra da desonra.
O 11 de Setembro de 2001 não só abalou os fundamentos do sistema de defesa dos EUA, comprometeu a segurança interna dos norte-americanos e fragilizou o poder da América no mundo. Também estilhaçou milhares de empresas – 18 mil foram afectadas directamente, segundo um relatório do serviço de investigação do Congresso publicado em Setembro de 2002 - instaladas no coração financeiro do país, a baixa de Manhattan
Entre estas há uma que sobressai. A Cantor Fitzgerald perdeu todos os 658 funcionários que se encontravam ao serviço na manhã daquele dia. Todos morreram entre o 101º. e o 105.º andar da primeira torre do World Trade Center (WTC), numa lista em que se destaca o irmão do presidente executivo, Howard Lutnick, de um total de 960 empregados.
Foi a maior perda de uma só instituição, mas a recuperação da empresa é um exemplo notável de resistência e abnegação dos seus funcionários e também dos seus dirigentes.
“[Depois dos ataques] fechávamos a empresa e participávamos nos funerais dos nossos amigos?”, questionava em Julho deste ano Lutnick, numa entrevista citada na página daquele banco de investimento.
Não. Não foi isso que fizeram. Os que restaram “passaram a trabalhar mais duramente do que alguma vez se tinha trabalhado” com uma única razão em mente: “Ajudar as famílias dos 658 que perdemos”. O próprio Howard Lutnick sobreviveu por se ter atrasado naquele dia. Tinha ido levar o filho à escola.
“Tínhamos camas junto à parede e dormíamos quatro horas até alguém nos dar um toque no ombro, levantávamo-nos e íamos de novo para o trabalho, para outra pessoa ir dormir. Quando os mercados abriram na quinta-feira, 13 de Setembro, a Cantor Fitzgerald abriu”, contou o presidente da empresa que destinou 25 por cento dos lucros às famílias das vítimas, o que, até 2006, significou mais de 180 milhões de dólares.
Em 2010 a Cantor Fitzgerald facturou 1,3 mil milhões de dólares e cresceu, de tal forma, que hoje emprega 1400 de funcionários. Mais do que duplicou os trabalhadores que perdeu há uma década, graças ao esforço dos que ficaram. E sem abandonar aqueles que mais perderam no 11 de Setembro de 2001.

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