segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Erro irreparável (crónica publicada no Novo Jornal)

Troy Davis foi executado às 23h08 locais (4h08 em Luanda) de quarta-feira, apesar dos diversos pedidos de clemência. A justiça ficou, uma vez mais, longe dos tribunais americanos, que, juntamente com o Japão, é o único país democrático que mantém a pena de morte.
Às vozes do ex-Presidente norte-americano Jimmy Carter e do Papa Bento XVI juntou-se a do secretário-geral do Conselho de Europa, Thorjorn Jagland e de um milhão de pessoas que assinaram três petições para salvar a vida de Troy.
Da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa surgiu também um pedido às autoridades do estado da Geórgia para não realizarem a execução. Da França e da Alemanha saíram apelos que devem ser visto, não como uma ingerência mas uma tentativa de impedir que fosse cometido um “erro irreparável”.
A Amnistia Internacional juntou-se a outros grupos para organizar protestos na embaixada dos Estados Unidos em Paris. Dezenas de pessoas reuniram-se à porta da Casa Branca, na esperança que o Presidente Barack Obama interviesse, no último minuto. Mas Obama, galardoado com o Nobel da Paz em 2010, refugiou-se num cómodo silêncio. O seu secretário de imprensa, Jay Carney, veio dizer que não seria adequado o chefe de Estado interferir com situações jurídicas, ignorando que o fez com decisões judiciais tomadas noutros países.
A justiça norte-americana é cega. E a sua cegueira leva a actos de injustiça, muitos deles comprovados cientificamente, já tarde demais, através de testes de ADN.
Neste caso, não existiam provas de ADN, nenhuma arma foi encontrada para provar que os tiros que mataram Mark MacPhail, em 1989, no parque de estacionamento de um Burger King, em Savannah, Geórgia, foram disparados por Troy. O crime ocorreu quando o polícia, que se encontrava fora de serviço, ajudava um sem-abrigo que estava a ser atacado por dois homens, um deles Davis. Havia apenas testemunhos e provas circunstanciais, fragilizadas por recuos e desmentidos que chegavam para pôr em causa a sentença decretada em 1991.
Sete das nove testemunhas da acusação alteraram os seus depoimentos, duas delas vieram mais tarde dizer que foi o homem que estava com Davis quem matou MacPhail  - o próprio assassino confessara o crime a uma dessas testemunhas. Os recursos sucederam-se para evitar que o afro-americano, de 42 anos, que na altura do crime tinha 20 anos, fosse condenado injustamente.
Troy conseguiu evitar a sua execução em três ocasiões desde 2007. Em 2008, o Supremo Tribunal concedeu a suspensão temporária da execução e determinou uma audição no ano seguinte para que Davis pudesse provar a sua inocência. Segundo um juiz federal, não o conseguiu e a justiça manteve o veredicto.
Os esforços da defesa, que apresentou o caso de Davis como típico cidadão negro condenado injustamente pela morte de um branco, foram em vão. Quarenta minutos depois de conhecida a decisão do Supremo, Troy foi executado, na cadeia de Jackson, depois de dirigir as últimas palavras aos guardas que o executaram e à família de Mark MacPhail: “Que Deus tenha piedade da vossa alma. Não matei o vosso irmão, não estava armado, não fiz isto. Não tinha uma arma naquela noite, não sou responsável”.
Assim que a decisão do Supremo Tribunal foi conhecida milhares de apoiantes de Davis, concentrados em frente à cadeia, foram tomados pelo silêncio e esmagados por uma sensação de injustiça. Nenhum familiar do condenado presenciou a execução. Troy pediu-lhes apenas que rezassem pela sua alma, segundo o relato de um jornalista da Associated Press que assistiu à aplicação da pena de morte.
Acompanhado até ao último minuto por um dos seus advogados, Davis recusou a última refeição e abdicou do tratamento especial. Não quis a presença de um padre, nem pediu para ver a família.
Referindo-se à execução como uma tragédia, o líder do grupo de direitos humanos civis NAACP, Benjamin Jealous, apelou aos que continuavam à porta da prisão para terem calma, mostrando a mesma disciplina que a família de Troy. “O que acontecer aqui vai impulsionar a abolição da pena de morte”.
A mãe do polícia assassinado, Anneliese MacPhail, manifestou-se contente com a decisão do Supremo. “Quero ter paz agora. Isto tinha de acabar”.
Tinha de acabar, sim. Mas de outra forma para que mais nenhuma vida inocente tenha de passar por uma situação semelhante, como afirmou o responsável pelo ramo da Amnistia Internacional dos EUA, Larry Cox.
E para que, neste domínio, os EUA deixem de ostentar um currículo negro. E vergonhoso.

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