Depois de correrem mundo «Os monólogos da vagina» chegaram ao Parlamento Europeu.
A peça foi representada terça-feira, na antevéspera do Dia Internacional da Mulher, numa iniciativa integrada nas celebrações do V-Day, um movimento que luta contra a violência das mulheres e que nasceu por inspiração do livro de Eve Ensler, alastrando em 10 anos a sua influência a 140 países.
Não se pode dizer que a representação da peça num dos palcos da política internacional seja, por si só, um acontecimento; o texto já foi representado no Congresso norte-americano, no parlamento britânico e no das Filipinas. O que o torna uma originalidade é o facto de ser interpretado por mulheres políticas, eleitas em representação de vários países europeus.
Um grupo de eurodeputadas resolveu deixar de lado a formalidade do cargo e vestir a pele de actriz, dando voz às inquietações que tornaram «Os monólogos da vagina» num hino à sexualidade feminina e contra a violência sobre as mulheres e raparigas.
A ideia partiu da eurodeputada finlandesa Sirpa Pietikäinen que enviou o texto para todas as deputadas para ver quem estaria interessada em participar. Responderam ao desafio Ana Gomes (de Portugal), Franziska Brantner (Alemanha), Isabel Durant (Bélgica) Cecília Wikström (Suécia), Marielle Gallo (França), Renate Weber (Roménia), Ulrike Lunacek (Áustria) e Kartika Tamara Liotard (Holanda).
A iniciativa coroou-se de sucesso, apesar de alguma polémica desencadeada por um deputado alemão conservador que afirmou ao «The Wall Street Journal» que não havia lugar no Parlamento Europeu para uma coisa daquelas.
Os bilhetes esgotaram num ápice, a autora da peça fez questão de estar presente para atestar a veia artística das eurodeputadas e no coração da política europeia analisou-se o problema da violência sexual, sob o prisma de mais de 200 mulheres (as que foram entrevistadas pela escritora).
Pelo palco desfilaram os dramas de mulheres do Congo, do Haiti, de Nova Orleães, depois do furacão Katrina, da Bósnia, da Líbia. Mulheres que, apesar de toda a violência e sofrimento de violações e sujeições várias “continuam a enfrentar o futuro, a tratar dos filhos e a sobreviver”, como nota a eurodeputada portuguesa, diplomata de carreira, Ana Gomes.
Mas não são só os temas fracturantes, que perpassam esta peça. Ela fala também de questões mais particulares e comuns, como a menstruação, o fascismo estético que submete grande parte das mulheres às cirurgias plásticas, o prazer, as infidelidades conjugais ou as terapias de grupo.
Mas não são só os temas fracturantes, que perpassam esta peça. Ela fala também de questões mais particulares e comuns, como a menstruação, o fascismo estético que submete grande parte das mulheres às cirurgias plásticas, o prazer, as infidelidades conjugais ou as terapias de grupo.
A peça nasceu de um desejo em escrever sobre o assunto quando, em 1996, Ensler ouviu o desabafo de uma feminista na menopausa. “Ela falava sobre a sua vagina de uma forma tão desrespeitosa que fiquei chocada”, confessou a autora durante uma visita ao Brasil.
Eve decidiu então entrevistar mulheres de diferentes países, idades e culturas. Das mais de 200 que entrevistou não houve em nenhum país mulheres que dissessem que gostavam do seu corpo, o aceitavam e se sentiam bem nele. “Na verdade, elas queriam sair dele, se distanciar, se mutilar, expeli-lo pela bulimia ou definhá-lo pela anorexia. Fazer um lifting ou uma lipoaspiração, é quase como se livrar de um lixo que as mulheres pensam poluí-las”, constatou a escritora norte-americana, evidenciando que “as mulheres foram condicionadas a ver a sua sexualidade como suja”.
A autora constata ainda que as “grandes religiões e o capitalismo consumista, unidos, representam a morte da mulher”. A sua sexualidade “é confiscada e explorada” - quando é violada (a Organização Mundial de Saúde estimou em 1997 que uma mulher em cada cinco no mundo será vítima de violação ou tentativa de violação na sua vida) ou quanto sofre a mutilação genital feminina (que segundo a Organização Mundial de Saúde já vitimou mais de 140 milhões de mulheres em todo o mundo) e torna-a refém dessa situação.
Como não havia um contexto para que as mulheres pudessem falar sobre as suas vaginas, até porque elas não conversam entre si sobre o assunto, Eve optou pelo monólogo. Por vários monólogos que devem ser escutados com atenção pelas mulheres. Mas também pelos homens. Em todo o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário