segunda-feira, 19 de março de 2012

Proibido morrer... (crónica publicada no Novo Jornal)

Na aldeia italiana de Falciano del Massico, localizada a 50 quilómetros de Nápoles, os habitantes estão proibidos de “atravessar as fronteiras da vida terrena para se dirigirem ao Além”. A proibição de morrer, decretada pelo presidente do município Giulio Cesare Fava e com efeitos desde o dia 5 de Março, não se abate apenas sobre as quatro mil almas da aldeia. Abrange também “quem se encontre de passagem”, seja turista ou mero visitante.
Apesar de estar em vigência há poucos dias, a ordem do autarca já foi violada. Dois idosos ignoraram a restrição e “atravessaram as fronteiras” para o “além”, pondo o município a braços com o problema que levou a esta estranha medida: a falta de cemitério para enterrar os corpos.
A aldeia, situada no sopé do monte Massico, tinha um campo-santo que, na divisão administrativa de 1964, passou a fazer parte da povoação vizinha de Carinola. Os habitantes locais tiveram, a partir daí, de mendigar espaço nos cemitérios vizinhos, porque as tentativas para construir um lugar que sirva como última morada à comunidade falharam.
Primeiro equacionou-se a construção de um novo cemitério. Fez-se o projecto – que incluía uma igreja com cúpula, crematórios e uma capela para outros credos religiosos – mas os custos elevados da obra (14 mil milhões das antigas liras) mataram a ideia.
Passou-se para um plano alternativo: expandir o cemitério existente. Só que as duas comunidades vizinhas não chegaram a acordo.
Voltou-se ao ponto inicial: construir um cemitério.
As semelhanças entre esta história e a da novela «Bem Amado», da TV Globo, circunscreve-se ao cemitério.
Na cidade fictícia de Sucupira, o prefeito Odorico Paraguaçu construiu um cemitério novo para assinalar, com pompa e circunstância, o seu reinado. Só que o protagonista da trama, um político corrupto e cheio de artimanhas, vê sucessivamente adiada a inauguração porque ninguém morre, obrigando-o a engendrar esquemas para mandar alguém para o além e cumprir a festividade.
Em Falciano del Massico, o presidente da câmara não vê na construção do cemitério uma marca do seu mandato. Nem tem na ordem que proíbe a morte nenhum plano maquiavélico. O autarca apenas quer provocar os munícipes para que se deixem de tricas e a obra avance. Já agora que conte com as receitas de um eventual aumento de turistas.
Maquiavélica é a trajectória do Presidente da Síria para se manter no poder e passar incólume aos protestos no país.
O jornal britânico «The Guardian» deitou a mão a perto de três mil e-mails da correspondência pessoal da família de Bashar al-Assad, interceptados por membros da oposição, e revelou os planos do Presidente sírio que deitam por terra as mentiras que tem usado para se defender das acusações de massacre contra o seu povo.
Os e-mails (que o «The Guardian» autenticou com contactos com alguns dos destinatários da correspondência) revelam que Bashar recebeu instruções do Irão sobre como agir com os protestos, criou uma rede de contactos que lhe foi passando informações e recebeu a oferta de exílio da filha do emir do Qatar que, numa das mensagens, desafiou a família al-Assad a deixar o poder: “Honestamente, penso que esta é uma boa oportunidade para sair e recomeçar uma vida normal”, escreveu Mayassa al-Thani.
A correspondência deu ainda a conhecer os gastos milionários da mulher do Presidente em artigos de luxo.
Enquanto no país perto de oito mil sírios eram mortos pelas bombas “lançadas” pelo marido, Asma Assad gastou mais de 15 mil dólares em candelabros, mesas e candeeiros e encomendou um fondue, via Amazon. A vida glamorosa de Asma incluía e-mails recebidos do marido, em que este lhe enviava mensagens com links da internet e canções descarregadas do iTunes e a letra de uma canção da cantora norte-americana Blake Shelton.
Se estes e-mail revelam uma faceta romântica de Bashar al-Assad, o mesmo não se pode dizer da correspondência interceptada que mostra que o Presidente sírio tinha conhecimento da presença de jornalistas estrangeiros na cidade de Homs, ocupada pelos rebeldes e que foi devastada pelo regime.
Após a morte da jornalista norte-americana Marie Colvin e do repórter fotográfico francês Rémi Ochlik, no dia 21 de Fevereiro, al-Assad afirmou que não tinha conhecimento da presença de jornalistas em Homs. Os e-mail tornados públicos pelo «The Guardian» mostram o contrário e dão consistência aos que acusam o Presidente sírio de ter ordenado o abate dos jornalistas, testemunhas inconvenientes do massacre. E eficazes. Até na morte.

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