terça-feira, 31 de julho de 2012

Reportagem premiada «Descida ao inferno»












 
Foi esta a reportagem que deu à Isabel João o prémio CNN/Multichoice, na categoria de Notícias Gerais em Língua Portuguesa, entregue no dia 21 de Julho, em Lusaka, Zâmbia.
Pode ler o texto integral, carregando em ler mais.



A vida nas cadeias

Descida ao inferno



Cadeias públicas e centros de detenção provisórios são locais projectados para ressocializar homens e mulheres que cometeram crimes. Mas o que se verifica nas cadeias de Angola contraria esta filosofia. O Novo Jornal visitou uma prisão e sentiu o que é descer ao inferno.

Sábado, 2 de Julho de 2011. Eram 12h00 quando a equipa do Novo Jornal se juntou para mais uma reportagem. O destino era a cadeia da Comarca Central de Luanda, localizada na zona da Petrangol, município do Sambizanga. A chegada ocorreu uma hora depois, por causa do grande engarrafamento que se regista naquelas paragens, apesar da transferência do mercado do Roque Santeiro. O motivo que antes justificava os engarrafamentos já não se adequa, mas os entupimentos continuam.
A primeira visão que se depara a quem chega ao estabelecimento prisional é a multidão na principal porta de entrada. Todos os que a engrossam estão com sacos nas mãos. Logo que chegamos ao local, a repórter do Novo Jornal junta-se à multidão. Simula a visita a um preso e, tal como os outros, carrega um saco.
Na porta principal, quatro homens dos serviços prisionais recebem os visitantes. Pergunto a uma senhora quais são os procedimentos para a visita. Responde que tenho que ter o cartão de acesso, o número da caserna e o nome do preso. A resposta suscita inquietação. Como dar a volta já que não conhecíamos ninguém naquele estabelecimento prisional. Respondo que não tenho certeza se o meu parente se encontra ali e que nem sei a o número da caserna. Pergunto-lhe se posso entrar com ela, dizendo que era sua filha e que queria visitar o meu irmão, mas a mulher não aceita. Fico durante mais de 30 minutos a tentar convencer algumas das senhoras a deixarem-me acompanhá-las.
Depois de alguns minutos e de tanto tentar, o pedido é aceite. Consigo o nome e o número da caserna de um suposto primo. Estava dado o primeiro passo para entrar e ultrapassada a primeira etapa.


TENS DINHEIRO
Vencida a primeira barreira, as visitas têm de enfrentar uma longa fila para adquirir o cartão de acesso. À minha frente mais de 80 pessoas aguardam a sua vez. A espera é acompanhada com muita poeira. Muitas pessoas que estão no local têm os olhos vermelhos e apresentam sintomas de gripe. Nos poucos minutos em que lá estou também me sinto mal, mas não posso desistir da missão. Em conversa com a suposta tia, ela pergunta-me se tenho 1000 kz, respondo que sim. Indica-me então um jovem que iria facilitar a minha entrada. Falo com o rapaz, depois de três minutos a minha situação já está resolvida. Seguem-se as explicações: “Minha cota, as coisas aqui são rápidas, é só ter dinheiro. Quando voltares, se não me encontrares há um outro amigo que faz o mesmo trabalho. É a primeira vez? Só quem não tem dinheiro é que fica naquela fila. Somos dois que ficamos aqui no período da tarde e outros dois ficam de manhã, sempre que vieres aqui é só perguntar aos guardas. Eles também conhecem o esquema”.
Durante a espera, ouvem-se histórias contadas pelos familiares, umas mais tristes que outras. Todos são unânimes ao afirmar que os seus parentes são tratados como animais dentro das celas.
Fico durante mais de 40 minutos à espera, porque os guardas inspeccionam a comida que os familiares trazem.
Já dentro do estabelecimento prisional, o ambiente não é o normal, segundo dizem os familiares. “Isto está muito estranho, passa-se alguma coisa”, atira uma das mulheres. No mesmo instante, começamos a ouvir muitos gritos e choros. Não sabemos o que se está a passar. Pergunto às minhas companheiras se é sempre assim. Respondem que não. Logo a seguir, alguns presos que já estão na sala de visita com os seus familiares começam a correr de um lado para outro, alguns a sangrar. De longe é possível ver alguns estendidos no chão. Os familiares que já estão na sala de visitas apenas choram. Obrigam-nos a sair de dentro do estabelecimento prisional.


GRITOS E CHORO
No exterior, a agitação é grande. Todos querem saber o que se está a passar. Muitos familiares gritam que querem o dinheiro que pagaram para o acesso. Minutos depois, aparece um sub-inspector da polícia a explicar o que aconteceu. “Vocês já não vão ouvir mais, continuam a trazer droga para os vossos familiares. Drogaram-se e estão a fazer confusão. Já há uma boa parte dos presos ferido e não sabemos o que fazer”, esclarece.
O graduado acrescenta que os feridos ainda estão no local porque a única viatura disponível naquele momento não tem combustível e nada se pode fazer.
Depois da explicação só se ouvem gritos e choro. Todos querem entrar para saber como é que estão os seus parentes. Uma das senhoras que falou para o Novo Jornal diz não acreditar que o problema está nas drogas. “Eles não podem dizer que nós é que trouxemos as drogas, até porque a comida ainda está no carro de mão onde fica depois de ser inspeccionada. Eles ainda não receberam a comida. Não acredito. Como é possível um estabelecimento daqueles ter apenas uma viatura?”, questiona-se indignada a mulher, acusando os próprios funcionários de venderem a droga aos presos.
Depois de tantas horas de espera, a equipa do Novo Jornal apura que mais de 15 presos ficaram feridos, cinco dos quais com gravidade. Até às 17h50, altura em a equipa de reportagem sai, os familiares permanecem no local.
O Novo Jornal voltou à Comarca Central de Luanda na quarta-feira, dia 6 de Julho, para conversar com alguns presos. Depois da confusão do dia 2 não conseguimos obter mais informações, porque o assunto não foi divulgado. O incidente, segundo as fontes deste jornal, resultou na morte de cinco presos e vários feridos. Os motivos continuam fechados a cadeado. Como os reclusos.



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Pior que cães


O Novo Jornal conversou com vários presos, alguns dos quais não quiseram identificar-se por receio de represálias. Um deles disse que contraiu tuberculose na cadeia. “Isto aqui é um inferno, somos tratados pior que cães. A cela em que estou tem mais de 35 pessoas, não há casa de banho, a comida mistura-se com fezes de ratos e baratas, os presos doentes com tuberculose e sida estão junto com os demais. Eu entrei bem na cadeia sem doenças, hoje estou a morrer aos poucos, porque contraí uma tuberculose e não estou a receber tratamento”, relata.
O jovem, de 23 anos, encontra-se na Cadeia da Comarca de Luanda há sete meses. “Tive uma briga com um amigo, quando a polícia chegou, levou-me”, lembra em jeito de explicação.
Segundo o jovem, na Comarca Central de Luanda falta de tudo: médicos, enfermeiros, remédios, sabonetes, comida e água. E dignidade.
O jovem denuncia os maus-tratos e abusos que têm sofrido dentro da cadeia quando não querem fazer a vontade dos agentes dos serviços prisionais. Entre as denúncias está também a cobrança de dinheiro dentro da cadeia aos presos mais novos pelos mais antigos.
Uma outra fonte que falou ao NJ e que está preso há seis anos disse que a superlotação na Comarca Central de Luanda é um problema antigo. “Eu sou o chefe, mando em todos na caserna. Há aqueles presos que quando chega um novo querem bater, mas eu não permito. Aconselho a todos que devemos respeitar os outros, porque não é nada fácil estar aqui, principalmente os miúdos que, às vezes, ficam sem saber como se defender”.
Questionado sobre a idade do preso mais jovem da cela, responde que tem 16 anos e há muitos nestas condições na Comarca de Luanda.

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O meu filho está no inferno


Maria Almeida, que há dois anos visita duas vezes por semana o filho na cadeia, diz que não tem tido dificuldades em fazê-lo. “No princípio foi muito difícil acostumar-me à ideia de que o meu filho tinha de estar neste inferno. Aqui não há respeito pelos presos. Tratam as pessoas como se fossem cães. Nos primeiros dias que o meu filho entrou para cadeia, foi espancado pelos colegas da cela”, denuncia a mulher.
Ainda de acordo com a fonte, o filho, de apenas 21 anos, foi obrigado por um colega a fazer sexo. “Quando o meu filho me contou isso, fui ter com o agente que estava de serviço naquele dia e ele disse-me apenas que iam resolver o caso, mas nada foi feito, porque quem interveio foi um colega da cela. O que mais me deixou admirada é que os responsáveis têm conhecimento destas situações, mas nada fazem para resolver a situação. Este novo director das cadeias só veio piorar as coisas”.
A nossa fonte diz também que não há controlo absoluto na entrada dos familiares dos prisioneiros. “Minha filha, aqui ninguém controla ninguém. Muitos presos têm telefone e saldos. Será que os responsáveis do Ministério do Interior não sabem que muitos têm telemóvel dentro das celas?
Maria Almeida disse ainda que o filho divide a cela com mais de 40 presos. “Estão amontoados uns sobre os outros. Eles têm de ficar em celas que deveriam ser ocupadas por até 10 presos, nem cama para dormir têm. O ministro do Interior diz que o governo gasta anualmente 144 milhões de dólares com os presos e as pessoas ficam com fome, é muito estranho”.
Sandra José visita todas as semanas o marido na cadeia, desde há seis meses. A mulher diz que é muito sofrimento apanhar aquela poeira toda, duas vezes por semana, e que o marido está muito doente. “ O meu marido está muito mal, ele entrou bem aqui. A caserna onde está é apenas para 10 pessoas e tem mais de 30. Ele está com sarna e piolhos. Nos últimos dias, tem ficado muito doente. Aqui nem médicos há”.
O relato é duro e impressiona, mas não se fica por aqui.
De acordo com Sandra, a comida que leva ao marido nem sempre chega às suas mãos. A mulher acusa os guardas de se beneficiarem. “A comida que eles dão às pessoas não tem qualidade, e fico muito triste quando o ministro do Interior diz que o governo gasta muito dinheiro com a alimentação e a higiene dos presos. Se isso fosse verdade o meu marido não estaria naquelas condições. É muito triste, só mesmo eles é que podem explicar o que é que fazem com o dinheiro”.
A visitante é peremptória e insiste. A comida que fazem na prisão nem serve para dar aos cães, por isso, as refeições que as visitas levam desaparecem sem chegarem ao destino certo. “O meu marido está há dois dias sem comer porque a comida que eu trouxe, comeram-na”.



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Mortes na cadeia


Recentemente, prisioneiros da Cadeia da Comarca de Viana rebelaram-se por causa da morte de um recluso no bloco C. Miro Rotina tinha sido transferido de um estabelecimento prisional do Sambizanga, horas depois de ter passado pelo centro médico da instituição.
O corpo de Miro Rotina havia sido dobrado num cobertor para ser depositado num local que eles desconheciam.
Na altura, os presos disseram que a morte do jovem do Sambizanga era a quinta que acontecia no curto espaço de uma semana.
“Revoltamo-nos por causa disso. Essa semana já tinham morrido cinco e o Miro acabou por falecer de madrugada. E, ainda por cima, dobraram o corpo dele num cobertor qualquer. Não sabíamos se o corpo iria ser enterrado ou desaparecer, sem o conhecimento dos seus familiares”, contou uma fonte deste jornal.
O gesto serviu também para protestar das condições existentes. Um elevado número de pessoas reparte um mesmo dormitório. Queixam-se que cerca de 200 pessoas estão confinadas a um quarto.
Existem apenas quartos de banho condignos nos blocos. O abastecimento de água foi apresentado como uma das principais melhorias registadas na prisão, ao passo que a alimentação continua deficitária.
“Aqui comemos funje com água, que parece ter saído da boca de um cão. Não deixam entrar bolachas, sumos, pasta de dentes e outras coisas, mas a cantina que existe tem poucos produtos”.
Recentemente, um outro preso, também proveniente da Comarca Central de Luanda (CCL), chegou a falecer em circunstâncias até então tidas como “desconhecidas”. Desconfia-se que tenha sido envenenado durante a sua passagem pelo primeiro local onde esteve encarcerado.
Em 2007, Um motim na cadeia central de Luanda provocou a morte de mais de 30 presos, mas a informação foi contestada pelas autoridades, dizendo que foram apenas duas mortes. O motim durou três dias.
Na altura, a cadeia ficou controlado pelos amotinados, que se revoltaram contra a alegada falta de condições na prisão, protagonizando a primeira rebelião armada num estabelecimento prisional em Angola.
Na posse de armas de diversa natureza – de fogo, catanas, machados e outros artefactos - os reclusos, em sinal de protesto, queimaram e destruíram tudo quanto tinham de haveres, desde roupas, colchões a utensílios de uso pessoal.
As consequências desta revolta, que culminou com o assalto à base logística dos guardas prisionais, provocaram uma onda de choque entre vários círculos da opinião pública.
Na altura, as autoridades, através do intendente Divaldo Martins, admitiram existir “más condições”, chegando mesmo a reconhecer a necessidade de “intervenção de forças especiais para controlar os amotinados devido à incapacidade dos guardas prisionais”.



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Irregularidades e mais irregularidades


Nas cadeias do país têm-se registado várias irregularidades. Há superlotação de pessoas que estão há muitos anos sem data marcada para julgamento, muitos nem advogado têm e outros não sabem sequer os crimes de que são acusados.
Há casos de mulheres presas com filhos, de três e cinco anos, na cadeia. As autoridades competentes têm conhecimento destes casos, mas não tomam medidas. Um caso testemunhado pelo Novo Jornal aconteceu na província da Lunda-Norte, onde a equipa de reportagem encontrou uma mulher com dois filhos na cadeia. Há casos também de mortes dentro das cadeias, que nem as autoridades competentes conseguem justificar.
No discurso de abertura do Conselho Consultivo Alargado do Ministério do Interior, o titular da pasta, Sebastião Martins, disse que o Estado gasta diariamente 20 dólares por cada preso e o número até Maio de reclusos, a nível nacional, era de 19.876.
Sebastião Martins deu ainda a conhecer que mensalmente são gastos 12 milhões de dólares, o que totaliza um custo anual de 144 milhões de dólares.
Na ocasião, o ministro disse que são custos bastante elevados, que incluem encargos diários com alimentação, assistência médica e medicamentosa, manutenção e conservação das infra-estruturas e higiene.
Em entrevista ao Novo Jornal, o presidente da Associação Mãos Livres, David Mendes, disse que as condições sanitárias e de alojamento dos presos são más e sem dignidade para receber presos, pondo em risco a saúde dos detidos e condenados.
Questionado como é que se justifica os 12 milhões de dólares gastos mensalmente pelo Ministério do Interior, David Mendes respondeu que é necessário saber em que é que são gastos. “Uma coisa é gastar os 12 milhões de dólares em combustível em carros pessoais, pintar os gabinetes, comprar farda para os presos ou para pôr mobiliário nos gabinetes porque, de facto, para os presos não se gasta esse dinheiro”. David Mendes dá um exemplo. “Se for à cadeia de Viana, há-de encontrar a comida que os familiares levam para os presos no chão e ao sol. Se for a essa hora à comarca de Luanda há-de ver o número de pessoas que está a levar comida para os presos que pode ser suprida. Medicamentos e assistência médica são deficientes, para não dizer quase inexistentes. A questão que coloco é quanto se gasta com um preso?”
O advogado responde à questão que ele próprio coloca: “A maioria dos presos está em situação inaceitável, do ponto de vista de apresentação, com sarnas, piolhos e vestes degradantes. Agora dizerem que gastam 12 milhões de dólares com os presos não é verdade e gostaria de encontrar provas”.
Se gastassem 12 milhões de dólares “não exigiriam que os familiares tivessem de pagar para visitar os seus parentes, o que, segundo David Mendes, é uma grande aberração. “Este dinheiro é para quê? Para onde vai, se o governo gasta mensalmente 12 milhões de dólares com os presos? A visita é um direito que os presos têm, porque é que se tem de pagar? No interior da cadeia não há condições de habitabilidade, as pessoas não têm cobertores, colchão, cada um vive como pode!”, denuncia



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É urgente definir o que é um menor


O presidente da Associação Mãos Livres defende que é necessário o Estado definir o que é um menor. “Nos termos da lei e da Constituição, menor é aquele que tem menos de 18 anos. Pelo facto de ser imputável criminalmente não deixa de ser menor. Como é que vamos encontrar menores nas cadeias misturados com adultos?”.
Além disso, adverte o causídico, os menores são alvos dentro das prisões. “Esta criança, de 15 ou 16 anos, vai para a cadeia sem qualquer tipo de protecção. Muitas são obrigadas a envolver-se sexualmente com adultos para lhes darem protecção e comida. Nós desafiamos quem quer que seja que nos prove que não há favores sexuais desses menores por adultos. Não estou a falar por abstracto, reunimos informações que vêm de dentro da cadeia”.
De acordo ainda com a fonte, há violência dentro das cadeias. “As pessoas conhecem apenas dois casos, um na cadeia de Viana, onde um indivíduo ficou cego, e outro na província do Namibe. Os presos são tratados como animais e muitos por crimes que depois chega-se à conclusão que não cometeram e em tribunal são absolvidos. Não há uma separação de um indivíduo em prisão preventiva e um condenado. Todos têm o mesmo tratamento. Você imagina uma pessoa, por um erro qualquer de instrução, ir parar a uma cadeia, passar por todas essas vicissitudes e amanhã é declarado inocente. Como é que vai ser a vida desse indivíduo?”
Segundo o advogado, as cadeias são um problema e um reflexo do Estado. “Se queres conhecer um Estado visita uma cadeia e aí saberás que tipo de Estado é. Quando não há respeito pelos seus cidadãos, o Estado trata os cidadãos como animais, isto é um problema sério. É preciso humanizar as cadeias no país”.
David Mendes denunciou também que não existem salas de convívio íntimo e há muitas mulheres grávidas. “Nós sabemos que há presas que engravidaram lá dentro como é que aconteceu, se não há salas de convívio íntimo? É preciso que as pessoas olhem o país com os olhos de ver e não com emoções”.
O advogado acrescenta que nas cadeias angolanas “não sai ninguém reeducado”, porque aí “só se apreende o mal e não o bem, porque não há esse convívio para criar o bem”.

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A cadeia não pode ser a regra



O presidente da Associação Mãos Livres considera que é necessário que se mude a mentalidade dos juízes, porque hoje ainda há magistrados que pensam que a cadeia é o lugar certo para as pessoas. “A cadeia é um local essencial, a regra não pode ser a cadeia, a regra é a liberdade, fazer com que o cidadão reconheça que cometeu um erro. A prisão é a última razão de ser. Precisamos de mudar as mentalidades, esta mudança inclui os nossos órgãos judiciais. Os juízes têm de compreender que a cadeia não é um lugar para as pessoas irem. Se um dia virem como está acontecer com alguns membros importantes da polícia e nos outros órgãos vão compreender que aquilo não é lugar para as pessoas ficarem”.
David Mendes explica que não tem lógica pôr-se alguém na cadeia por 45 ou 15 dias de prisão efectiva. “Acho uma aberração. Quando vejo juízes a lerem que condenam a 45 ou 15 dias de prisão efectiva, acho que as pessoas têm de pôr na cabeça que o preso tem custos. Porque não condenam em multas pesadas?”
O advogado explica que, na maior parte das vezes, trata-se de réus primários. “Recentemente, vi em Cacuaco um juiz a condenar cidadãos a 45 dias de cadeia porque ocuparam terrenos, enquanto os que roubam os terrenos da população estão livres e sem que ninguém fale. Acho que não têm ideia do que é mandar um chefe de família para uma cadeia. Este homem perde o emprego, é uma questão que se resolveria com multa”.
David Mendes denunciou que há mulheres presas que saem no final de semana para servir festas de dirigentes do Ministério do Interior. “Será que o ministro sabe que há reclusas que servem em festas dos seus colaboradores, fazem favores sexuais, que a comida entra e sai com o pessoal. Será que sabe que quando há visitas dos dirigentes as senhoras são obrigadas a preparar-se decentemente e as que tem tendência de falar não são postas em locais públicos? Será que sabe que quando uma presa fala o que sente sofre represálias. Nas cadeias acontecem muitas coisas, precisamos mudar a consciência dos homens. O Ministério do Interior precisa abrir as cadeias para as ONG’s, para os jornalistas”, enumera, acrescentando que nas cadeias femininas não entra material de higiene feminino. O índice de infecção é elevado e não há tratamento.
O advogado denunciou também que há presos condenados que estão a trabalhar em quintas de alguns dirigentes angolanos. “Tenho como provar isso, se o ministro quiser saber é só investigar porque uma dessas pessoas até foi defendida por mim, sei onde está. Muitos deles aceitam porque têm conforto, falam com a família, mas isso não é certo. Nós inventámos um país de fantasia e deixámos o país real. Não estou contra os presos trabalhar, mas tem de estar regulamentado, não pode ser um favor, não estou a falar à toa. Temos isso no relatório”.
Há um ano, a associação Mãos Livres endereçou uma carta à direcção dos serviços prisionais informando que havia advogadas disponíveis para auxiliar as presas. Até hoje não obteve resposta.

1 comentário:

  1. Foi muito importante para mim ler esta reportagem...(Aqui por Portugal vou trabalhando nas prisões). obrigado

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