quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Joker (crónica publicada no Novo Jornal)

A 20 de Abril de 1999, dois estudantes irrompem no liceu de Columbine, no Colorado, fortemente armados, matam 13 colegas e professores, ferem outros 25 e suicidam-se. Treze anos depois, um jovem, igualmente artilhado, rompe por uma sala de cinema de Aurora, também no Colorado, dispara sobre a plateia que assiste ao filme de Batman, matando 12 pessoas e ferindo 58.
Pelo meio, a 16 de Abril de 2007, ocorre o mais mortífero massacre de que há memória nos EUA. Na Universidade Estadual de Virginia (conhecida como Virginia Tech), um jovem estudante sul-coreano mata 32 pessoas, fere outras 21, e suicida-se com um tiro na cabeça.
Qualquer um destes ataques é acompanhado de forte emoção nacional e internacional. Chora-se e reza-se pelas vítimas, analisa-se o perfil do atacante e as motivações, discute-se as leis que permitem o comércio de armas, sem restrições na esmagadora maioria dos estados, os políticos simulam medidas para evitar novos casos e, passada a comoção inicial, volta tudo ao mesmo… até ao próximo massacre.
No caso ocorrido esta semana, em Aurora, os políticos têm a vida facilitada. A opinião pública concentra no atirador, que não se suicidou, o odioso e ignora as razões por trás da chacina.
Só isso justifica que a discussão sobre a venda de armas, que atinge nestas alturas altos decibéis, tenha sido pífia. Nem o apelo lançado pelo presidente da Câmara de Nova Iorque, estado que proíbe a venda de armas, lhe deu lastro. “Talvez esta seja a altura para os dois (Barack Obama e Mitt Romney) tomarem uma posição e dizerem o que vão fazer”, afirmou Michael Bloomberg, sublinhando que “há muitos crimes com armas de fogo todos os dias e isto tem de parar”.
Nem Obama, nem Romney reagiram ao apelo. Os dois candidatos às presidenciais optaram pelo silêncio para não afrontar um dos mais poderosos lobby’s dos EUA: a National Rifle Association (RFA), organização que promove as armas com um orçamento anual de 250 milhões de dólares para distribuir por campanhas políticas. E para não mexerem num tema sensível.
Em 1999, ano do massacre de Columbine, 78% dos norte-americanos defendia maiores restrições no acesso às armas, segundo a Gallup. Em 2010 esse número baixou para 44% e, no último Natal, as armas foram “um dos presentes mais apreciados nos EUA”, como assinalou a comissária europeia da Segurança, Cecília Malmström.
O autor do ataque da Aurora comprou as suas armas - duas pistolas Glock, uma espingarda Remington, de calibre 12, e uma espingarda de assalto semi-automática AR-15 - em lojas de Aurora e Denver e adquiriu as munições – 6000 cartuchos de balas para as pistolas e para a semiautomática e 350 balas para a caçadeira - pela internet.
Os autores dos três massacres têm muito em comum. Eram bons alunos, provinham de boas famílias e não eram populares na escola.
Cho Seung-Hui, autor do massacre de Virginia Tech, deixou o seu manifesto, numa carta enviada para a televisão norte-americana NBC: “Morri como Jesus, para inspirar fracos e indefesos”.
No seu auto-retrato na internet, Eric Harris (principal mentor do ataque de Columbine) revelou: “Mato aqueles de quem não gosto, jogo fora o que não quero e destruo o que odeio”.
Num estudo sobre Columbine, encomendado pelo Congresso dos EUA, a antropóloga Katherine Newman, hoje reitora da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade John Hopkins, refere-se aos autores do ataque como “potenciais suicidas” que, “em vez de se matarem e ficar com o estigma de fracos”, optam por uma “saída deliberadamente espectacular”.
O perfil dos atiradores estudados por Katherine, que defende o combate ao bullying nas escolas, revela que “sofriam de alguma doença mental, eram todos do sexo masculino, jovens ou homens, rejeitados e incapazes de lidar com as suas relações sociais”.
O acesso fácil a armas nos EUA é um factor de motivação para indivíduos com perturbações. Não há nada que os barre.
Em 2002, entre cada 75 mil pessoas que tentaram comprar armas apenas uma foi rejeitada devido a critérios de saúde mental. Outro estudo do mesmo Departamento de Responsabilidade do Governo conclui não existirem informações sobre os antecedentes de 2,6 milhões de pessoas que haviam sido internadas involuntariamente.
Só esta combinação explosiva justifica que 41 das 55 chacinas em escolas, registadas entre 1996 e 2007 pela Rede de Acção Internacional contra Armas de Pequeno Porte, tenham ocorrido nos EUA.
A demagogia política que, normalmente, rodeia estas tragédias não chega para mistificar os números e para não ver onde está o problema.
Onde há armas disponíveis, mais cedo ou mais tarde, há quem lhes dê uso.

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